Noutros tempos, a vida rural era marcada por algumas figuras que com o andar dos tempos desapareceram. É o caso caseiro e o do criado.
Eles eram essenciais no equilíbrio das grandes propriedades agrícolas, uma realidade que tive oportunidade de constatar em Santana. O campo, a terra e o gado dependiam deles para florescer, mas mais do que isso, essas duas personagens representavam a confiança, o trabalho árduo e a simplicidade que dominavam a vida rural.
O caseiro era alguém de extrema confiança para as famílias abastadas, ocupando um lugar de responsabilidade que ia muito além do simples trabalho agrícola. A sua função não estava formalizada por contratos escritos, era um pacto silencioso, selado pela palavra, sem necessidade de assinaturas ou papeis. A relação estabelecida baseava-se em honra e confiança mútua.
O caseiro tinha à sua responsabilidade o cultivo das terras e do gado. Era daí que retirava o seu ganha-pão. Em muitos casos, residia numa casa cedida pelo patrão.
Noutros tempos, a grandeza das famílias avaliava-se em parte pelos terrenos que possuíam. A terra era algo com muito valor. Esses terrenos eram cuidados com extremo zelo pelo caseiro, que se certificava de que cada pedaço de terra fosse aproveitado. O que não servia para cultivar, destinava-se a erva para o gado. Nada era desperdiçado, e o valor da terra não podia ser subestimado. Havia uma disciplina e uma precisão no cuidado com os limites das propriedades. Disputas sobre a posse de pequenos pedaços de terra eram comuns, e, muitas vezes, intensas. Por um simples palmo de terra, vizinhos podiam envolver-se em longas discussões ou até em violentas disputas. Cada porção de terra tinha um dono, e essa era uma verdade indiscutível.
O caseiro responsabiliza-se por cavar, semear, mondar, regar, colher, etc. O produto final era dividido com o patrão. Ou seja, a troco da cedência da terra o dono recebia metade do resultado da produção. Os proprietários das terras ainda contribuíam com algumas despesas para as plantações. O mesmo acontecia em relação ao gado.
O senhorio comprava a vaca, o boi ou o bezerro e o caseiro cuidava. No final de contas quando se procedia à venda do animal o dono ficava com metade do valor do ganho alcançado. Recordo-me que esta forma de negócio tinha a designação de “valação”.
O caseiro era alguém que praticamente passava o dia todo na propriedade. Ele e a família. Parte do que produzisse era seu. Era o seu sustento. Na maior parte dos casos, o caseiro e a sua família eram vistos como família dos patrões. A proximidade era grande. Alguém que frequentava a casa com regularidade. Muitas destas relações duravam anos, até décadas, criando um vínculo profundo entre as partes.
O caseiro é incontornavelmente uma figura do passado. Por outro lado, também havia outra figura: a do criado, ou da criada, também designadas por “moço” ou “moça”, conforme o género. Estes jovens vinham frequentemente de famílias mais pobres e encontravam na casa dos patrões uma forma de melhorar a sua condição de vida.
Ao contrário do caseiro, cuja função estava diretamente ligada à terra, o “moço” ou a “moça” desempenhavam tarefas variadas, tanto agrícolas como domésticas.
Nas grandes propriedades, as raparigas tratavam das lides de casa, enquanto os rapazes colaboravam nos cuidados da terra. A entrada dos “moços” e “moças” nas casas dos patrões era uma solução para as suas próprias famílias, que enfrentavam dificuldades económicas e não tinham meios para sustentar os filhos. Ao integrarem-se numa casa mais abastada, estes jovens libertavam as suas famílias da pressão financeira, ao mesmo tempo que garantiam a sua subsistência. Era um vínculo quase natural: em troca de trabalho e dedicação, recebiam abrigo, comida e algum dinheiro, mas também a promessa de uma vida mais estável.
A vida destes jovens, embora dura, representava uma oportunidade de ascensão social, por vezes única, numa realidade rural marcada pela pobreza. Muitas raparigas tinham a oportunidade de trabalhar nas casas dos grandes senhores no Funchal. Para muitas, esta mudança era vista como uma oportunidade de trabalho, mas também um marco importante nas suas vidas. Muitas vezes deixavam para trás as suas origens rurais em busca de melhores condições. Muitos permaneciam com os seus patrões durante longos anos e a única forma de se desligarem desta relação era, quando os rapazes eram chamados para a tropa, ou quando as raparigas se casavam e formavam as suas próprias famílias.
O desaparecimento dessas figuras, não apaga a sua importância histórica, mas sim relembra-nos de como as sociedades evoluem, deixando para trás modos de vida que, noutros tempos, eram vistos como eternos.