Sessenta dias após o domingo de Páscoa, sempre a uma quinta-feira celebra-se o sacramento da Eucaristia e por esse motivo são muitas as crianças que se iniciam no sacramento, nesse mesmo dia.
Foi o meu caso, nos idos de 18 de junho de 1988, ano do falecimento do meu avô. Fui com a minha mãe, de camioneta, escolher um bonito vestido na extinta casa Tavares, andar de cima, onde se escondiam os tesouros brancos: vestidos de batizados, primeiras comunhões e os mais espetaculares, os de noiva. A acompanhar véus, grinaldas, luvas, brilho e seda. Um palácio.
Tive direito a um vestido memorável, como os que a minha mãe me costumava vestir, que foi usado em todas as procissões seguintes, da paróquia, até passar de longo a meia perna. Na cabeça uma bandolete de pérolas simples, porque os fios loiros fininhos não aguentavam muito mais, nas mãos um livrinho de orações de tinta e borda das folhas dourada e capa em madre pérola, umas luvas de rede brancas e um terço, que durante anos ficou no carro do meu marido e há poucas semanas migrou para o quarto do meu filho.
No tão esperado dia, como se ainda não fosse suficiente, tive direito a um bouquet de flores brancas, do nosso jardim.
A missa foi solene, composta e incensada, seguida de uma enorme, longa e extenuante procissão.
O meu bolo foi em forma de livro, com um cálice numa página e uns dizeres na outra, o meu desejo maior era morder aquele cálice, que não afastaram de mim, mal se cortou o dito, trinquei-o só para dizer: "afastem de mim esse cálice" enquanto um engulho me subia o esófago só para ensinar que nem tudo o que é apetitoso é comestível.
Na celebração tive muita gente, como sempre, muita gente conhecida dos meus pais, em abono da verdade se diga.
Na preparação do Sacramento a nossa Catequista, D. Conceição, há muito falecida, ensinava como tomar a hóstia, frisando que não se devia mastigá-la senão "Jesus ficava todo partido" e lá imaginava eu o Jesus do crucifixo da minha mãe em cacos, no chão. Ainda hoje, quando tomo, é com cuidado, não se vá partir.
"O Senhor seja Louvado", dizia D. Conceição, para esta alma pura responder: "para sempre seja lavado" e pronto, desta feita era o Jesus do crucifixo da minha mãe a lavar os longos cabelos com shampoo de camomila.
Algum tempo demorou até perceber que Jesus não tomava banho na cruz, mas ainda hoje sorrio em honra de Jesus Cristo lavadinho, com shampoo de camomila.
Anos depois, adulta, fui madrinha de Crisma numa paróquia onde se estreava o anterior Bispo da Diocese, pessoa intimidatória e pouco afável, na minha adulta opinião.
As catequistas andavam em histeria a preparar os ultimatos do grupo: "O que tem o senhor Bispo na cabeça"? Uma Mitra! Respondiam.
O que tem o senhor Bispo da mão? Um cajado, respondiam, para serem corrigidos, não se chama cajado, chama-se "báculo". Palavra que os adolescentes repetiram tantas vezes quantas as suficientes para se esquecerem.
Chega o Bispo, chega o teste e os Crismandos, aflitos olham para mim, à espera de ajuda, duma resposta. Como a ironia e o sarcasmo já residiam neste corpo, com a graça de Deus, não disse a palavra certa, certamente, sussurrei "Bácoro"!! Ao que todos em uníssono responderam perante o espanto do Bispo que ficou, nesse dia, a saber que na mão trazia, não um báculo, mas sim um pequeno porco.
Feliz dia da Eucaristia.
Sara Madalena escreve
à quinta-feira, de 4 em 4 semanas