E então tu nasceste. Eu nem sabia que era Verão nem que os teus olhos insulares viriam, um dia, ver-me no escuro. Nesse dia em que eu não existia, a terra há-de ter escutado a antecipação do meu corpo, um corpo que, pela cabeça, não poderia nunca saber do incalculável mistério de uma ilha. Hoje nascias tu. E só os que nascem numa ilha sabem [podem] irromper. Nasci. Foi dentro das tuas mãos que o meu corpo aprendeu a intimidade de estar vivo, ainda antes do brevíssimo milagre, do halo frio de todos os ventos, de todas as profundas solidões. Não sabia eu, ainda, do colo nocturno do mar; como poderia saber desse desnorte tão desejado trazido para dentro de mim pelo teu corpo de homem irrompido, ininterrupto, vindo de urgência observar o tédio do cimo da árvore mais funda.
Soube, tão rápido, o riso iluminado pela tua fronte sincera, o clarão da tua boca vertendo exasperadas sedes na minha. Disseste-me que era por aqui, e eu não pude senão acreditar, morder os espinhos das tuas mãos até ao calor do sangue pousado sobre os próximos juncos. De novo, precipitar-me-ia. Inapelavelmente entraria por essa incisão que só uma ilha pode abrir, que só uma ilha se recusa a fechar, sabendo que todo o nascimento acontece no momento em que o mar rebenta contra a morte e os ombros sobem até perderem o norte ou o medo. O medo. A fome virá por último, depois da noite onde nem o escuro existirá.
Meu amor, no dia em que tu nasceste o meu corpo futuro venceu o medo ao teu primeiro grito. Era Verão. A carne do meu coração, pesada e transparente, esperava um navio em flor, inábil para a viagem. Eu sabia. Mas tu... Uma ilha não nasce recém, não permite a paragem brusca da mão que já entrou na terra, do homem que já estremeceu molhando os olhos sobre um ventre.
Nasces hoje; uma baixíssima nuvem vem do centro do silêncio anunciar que me salvas, no exacto dia em que eu não existia.