O Professor frequentemente referia que era necessária a evolução, o avanço da roda, mas que só haveria segurança nesse caminhar se o eixo que a sustenta se mantivesse estabilizado. No pensamento social, o eixo da roda são os valores de humanidade que devem persistir no nosso evoluir.
Sentia que este texto devia falar do "eixo da roda", do conjunto de referências que afastam o pragmatismo insonso e os fundamentalismos epidérmicos. Nesta semana onde, para além de comemorarmos os 100 anos desse grande vulto da cultura politica portuguesa, nos despedimos de Isabel II, uma rainha que representou tão bem a tenacidade desse espirito de serviço a causas maiores apesar das enormes vicissitudes e contrariedades porque passou.
Bem ao contrário duma certa moda de epifenómenos e de orientações ao sabor da espuma das noticiais, estas duas personagens provam à saciedade como é importante a coerência e a necessidade de haver referência na nossa vida pessoal e coletiva. Sei que nem sempre é fácil e muitas vezes parecemos estar isolados na defesa de valores que a circunstância do momento de repente desvaloriza. Mas tal como Adriano Moreira lembra é essa referência que torna seguro o caminho e o evoluir.
Dois exemplos lembrados esta semana que também nos fazem sublinhar a importância do saber de anos de vivência. Como a história de sociedades nos recordam, os anciãos são um poço de saber e de conselho que ninguém deve dispensar e muito menos desprezar. Para além da ternura com que envolvem a sua comunicação, os idosos têm a visão experiente que tranquiliza e tantas vezes orienta momentos que nos parecem desesperados.
Não só por isso, mas também por isso, compreendo mal uma sociedade que não valoriza, destaca e defende os cidadãos mais velhos. Lembro-me de iniciativas politicas recentes que foram incompreensivelmente chumbadas: a especifica criminalização dos maus tratos aos idosos e a consagração de um sistema de proteção idêntico ao que o País tem para com as crianças e jovens em perigo. Por aqui se toma o pulso a uma sociedade que descarta os que acabam a "vida útil".
Recentemente, à minha porta, fui surpreendido com uma infundada queixa anónima de abandono de um cão, só porque o animal, velho e doente, estava numa parte da casa à beira da rua e "pareceu" a quem zelosamente passou, maltratado. Esclarecida a circunstância aos agentes incumbidos legalmente de tratar do assunto e naturalmente arquivada a queixa, dei por mim a pensar se igual zelo haveria se em vez do cão deitado no alpendre da casa estivesse um idoso numa cadeira dormitando? Quantos de nós se insurgiriam em igual suspeita? E que caminho nas autoridades teria essa denuncia?
O eixo da roda é também composto pelo respeito a esses conjuntos de direitos humanos centrados nos que envelhecem. Substituir essa prioridade politica e legislativa por outros valores, importantes, mas não tao importantes, é afetar esse eixo da roda. Sem essa admiração pelo seu trabalho e pelo seu valor, a sociedade regride, embora aparentemente se apresente fascinadamente moderna e cintilante.