Criticado no início do ataque da Rússia à Ucrânia, Guterres foi construindo um caminho discreto que tem possibilitado janelas de diálogo, sem deixar de afirmar a sua não concordância com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Em agosto, em Kyiv, voltou a pedir o fim da guerra e a realçar a importância da Carta das Nações Unidas e da lei internacional.
Tem conseguido desbloquear várias situações, entre as quais a saída dos cereais para países que mais dele precisam e a manutenção de prisioneiros de guerra ucranianos em território pátrio, evitando-se tratamento ainda pior, caso fossem deslocados para a Rússia. Deixa bem clara a importância da política e da diplomacia na construção da paz e do desenvolvimento.
Numa época em que a política (e as pessoas que a praticam) é atacada, denegrida e desvalorizada, António Guterres tem mostrado que não basta ser-se democrata, sendo importante defender-se a democracia e o Estado de direito em todas as ocasiões e momentos, por mais pequenos que possam parecer, sem protagonismo, mas tendo em vista o bem comum. Para mim, exercer a atividade política é cidadania e diz respeito a cada pessoa, no seu dia-a-dia. António Guterres tem feito isso, sem abdicar daquilo em que acredita e defende.
Quando é que decidimos que somos cidadãs ou cidadãos? É precisa coragem? Sim. Mas ter coragem pode não resultar em algo grandioso. Podem ser pequenos gestos, como manifestar opinião, ter atitudes solidárias, respeitar diferenças. Coisas que podem parecer menores, mas que constituem a base da democracia. Podemos sempre optar por denunciar o que achamos iníquo, ou calar, para não termos problemas. Podemos sempre apoiar alguém, mostrando-lhe que não está sozinho ou sozinha, ou deixar cair quem tem coragem de tomar posição. Podemos sempre enxovalhar ou mentir para nos mantermos à tona, ou optar por respeitar as pessoas e a verdade. Em qualquer situação, temos sempre opções. Seja qual for o caminho que tomarmos, teremos sempre de viver com os nossos piores críticos: nós mesmos.
A António Guterres desejo que prossiga o seu trabalho meritório na busca da paz e do desenvolvimento. Se o vai conseguir sempre, não sei. Sei que eu, simples cidadã, posso emitir opinião em qualquer altura, contundente ou não. Mas ele tem de conseguir um equilíbrio entre aquilo que defende e a "big picture" em que os problemas se inserem. Manter este equilíbrio é algo muito difícil e que pode resvalar. Esta arte é a maravilha da política e da diplomacia, essenciais para a construção da paz e da democracia.
Nota final - Neutralidade neste assunto da guerra na Ucrânia? Não! Um país soberano foi invadido, agredido, espoliado. Por isso, estou do lado de quem foi atacado. Já algumas pessoas com responsabilidade vão à televisão e não gostam de ouvir outras opiniões, principalmente se vierem de mulheres que sabem do que falam. O major-general Carlos Branco perdeu a compostura em direto, perante a investigadora Sónia Sénica, clamando: "Não me interrompa! Não me interrompa que eu não a interrompi!" (Mentira, interrompeu mesmo). Virando-se para o jornalista: "Importa-se de meter esta senhora na ordem? Eu vim práqui não foi prá peixeirada..." Como alguém já comentou: saiu da caserna, mas a caserna não saiu dele. Sr major-general, há mulheres que também sabem falar dos assuntos em que se julga único especialista. Aceite que dói menos…
Madalena Nunes escreve à terça-feira, de 4 em 4 semanas