O medo. É o primeiro frio de que me lembro, num tempo em que o amor chegava depois, num tempo que passou e continua a ser o mesmo. Porque o frio é exímio em encontrar frestas e calor, tem mãos muito velhas que nunca se cansam de esgravatar a pele contra a terra firme. Contra a fonte e contra o corpo. O medo e a morte são derivações do mesmo fruto, quem dele provar jamais será salvo. O medo entra no corpo que o espera e aparece segundos antes de morrermos. O medo permanece antes e depois, mesmo quando já não sentimos o frio nem a fome e conseguimos dizer antes e depois.
Olha bem até ao fundo da minha mão, fecha os olhos contra a linha da vida, aperta a minha mão como se nela houvesse ainda um nervo insondável, uma veia pedonal a afirmar o sangue.
Sento-me de frente para o teu corpo; através dele não vejo o escuro. Os teus cabelos brilham sobre o primeiro mar e é o teu peito que trava a minha mão sem vida. Espero até ao princípio, procuro devolver-te o sangue que me não serviu, mas os teus ombros são mais altos do que a morte, mais brancos do que o frio. Que sorte estares aqui, que medo! logo hoje, que atravesso a noite mais escura depois do ventre. Ouço a tua voz nas minhas costas e vêm as tuas mãos abrir-me a boca. Únicas e perpétuas. Falo-te numa língua de silêncio que apenas a tua língua reconhece. Reconhece, mas não domina.
Há hoje um deserto sem fim que não se deixa atravessar, uma cabeça inexplicável à espera do vapor do sol.
Vem da tua voz este vento que desce até aos meus pés como um sinal clamoroso. Eu sei; só sei procurar-te onde não estás, ver-te no escuro e dentro do sono, mesmo que as minhas mãos sejam estreitas e tudo vejam sem querer.
O medo guarda o tempo todo, arranha a pele das minhas mãos e cobre de frio a vénia em que me doo.
Se eu soubesse já que o tempo não conta contra o corpo. Ou se as tuas mãos viessem nuas e pudessem tocar-me, apenas hoje.