O que aconteceu na Câmara Municipal do Funchal, nos últimos anos, foi tudo menos isto. As faturas chegaram. Uma parte - a que a Autarquia achava justa - foi colocada nas contas e registada. O montante restante, constante na mesma fatura, foi completamente esquecido em gavetas. Literalmente.
Perguntar-me-á: se havia um erro ou falta de concordância quanto ao valor, as faturas não deviam ter sido devolvidas? Sim, era uma opção. Mas não foram.
As faturas não foram devolvidas nem o valor total das mesmas foi provisionado. Provisionar, no dicionário, é qualquer coisa como "abastecer(-se) do que é necessário para determinada tarefa". Na prática, no que a contabilidade diz respeito, e considerando o exemplo desta Câmara, é algo como registar o valor total da fatura, reservando cabimento para a mesma, independentemente de se concordar com ela ou, em consequência de uma discordância, se ir reclamar da mesma.
Esta não é uma verdade minha. É algo que deve ser feito a nível contabilístico e que assume contornos preponderantes se atentarmos que está em causa a gestão da coisa pública.
O que foi submetido à última Assembleia Municipal, no relatório de Prestação de Contas de 2021, foi uma variação de valores tremenda, tendo em conta os primeiros 293 dias do ano transato, correspondentes à vereação da Coligação Confiança, e a correção levada a cabo nos últimos 72 dias do ano, já com o atual Executivo.
O que se apurou, com o auxílio de uma auditoria realizada por uma empresa externa, foi que apenas 57% do valor das faturas era contabilizado e pago. O restante não era reconhecido. Outros documentos eram, na totalidade, ignorados.
Portanto, para esses valores ignorados não existia nem cabimento, nem compromisso, nem contabilização. Em consequência, também não seria, à primeira vista, necessário apresentar qualquer valor, para lhes fazer face, em orçamentos camarários.
Assim, era verdadeiramente fácil reduzir a dívida e anunciar maravilhas financeiras.
Só que o milagre cor de rosa, assim descoberto, faz-nos perceber que a Câmara Municipal do Funchal e, naturalmente, todos os Funchalenses estão lesados, no seu património líquido em mais de 41 milhões de euros.
E o caso não se fica por aqui, se tivermos em conta que a anterior Presidência da Câmara deu como garantia de processos de execução fiscal (outra história com pano para mangas ligada a esta ocultação de valores) património de todos os munícipes. Nada mais, nada menos do que o Quartel dos Bombeiros e o Tribunal Judicial da Comarca do Funchal. Acho que, neste último edifício, para além da placa a dizer que Paulo Cafofo o inaugurou, devia constar uma outra a dizer que Miguel Gouveia o entregou para pagar dívidas.
Se somarmos todos os valores ocultados, agora descobertos, percebemos a herança que nos foi deixada, a 20 de outubro de 2021, por quem se dizia da e de Confiança.
E ainda há quem escreva, por aí, que se "pretende inserir nas contas do Funchal todos os valores que puder, para supostamente denegrir quem pôs ordem nas finanças". A ordem que se deu foi a de ignorar faturas, aumentar a dívida sem fazer investimento e mentir à população.
O melhor era começar por pedir desculpa. O milagre cor de rosa acabou.