Assim, apesar da importância do estudo em causa, e da qualidade e credibilidade dos seus autores e da própria FFMS, a análise estatística de dados quantitativos de 2017 apresenta algumas condicionantes, levando a que a interpretação e classificação desses mesmos dados em perfis e categorias de indivíduos, traduza uma realidade específica de um determinado período temporal, os rendimentos de 2016, segundo os dados e metodologia do próprio inquérito do INE. Ora, importa recuarmos até 2016 e 2017 e perceber o contexto social, económico e político em Portugal continental e o verificado nas regiões autónomas. De igual modo, importa perceber e analisar o impacto causado pelas políticas de austeridade decorrentes do pedido de assistência financeira feito por Portugal à Troika, faz precisamente 10 anos. Também o efeito "geringonça" verificado em Portugal continental com a reposição de rendimentos às quatro categorias de cidadãos identificados neste estudo. Importa ressalvar que, Madeira e Açores são responsáveis pela condução e gestão da sua política económica, das prestações sociais, das políticas de emprego e formação profissional e pela atribuição de apoios a diferentes entidades do terceiro sector, que directamente apoiam pessoas em situação de pobreza.
Ora, tal estudo identifica e analisa a evolução dos principais indicadores de pobreza entre 2003 e 2016. Assim, as probabilidades de pobreza consideradas, apesar de relevantes, para a explicação da incidência da pobreza, incidem em parte sobre o período de assistência financeira a Portugal, e sobre um período (2016-2017) onde se havia já iniciado a reposição de rendimentos e uma maior flexibilização de apoios sociais. Relativamente à amostra das entrevistas (91 no total) e à distribuição territorial por perfis (quadro 32), percebe-se que a dimensão e representatividade territorial dos perfis identificados não é de todo significativa. O período temporal da realização das mesmas, naturalmente diferente dos dados quantitativos, pode igualmente constituir um outro viés.
Ainda assim, a definição de tais perfis e análise aos mesmos permite identificar as questões e fatores sistémicos que levam à reprodução social da pobreza em Portugal, por mim também analisadas em investigações realizadas entre 2008 e 2010, e entre 2012 e 2018.
Ora em 2021, num contexto de crise pandémica, fica demonstrado que importa (re)pensar o tipo e a natureza das prestações sociais existentes em Portugal, através da criação de uma medida de Rendimento Básico Incondicional (RBI), a única forma de responder efetivamente às necessidades dos cidadãos que integram os quatro perfis de situações de pobreza definidos no estudo agora apresentado, permitindo assim responder efectivamente ao impacto da pandemia e ao agravamento das desigualdades económicas e sociais pré-covid.
*Universidade de Windsor, Canadá