O som das pedras enroladas nas ondas era música de embalar. Procuro muitas vezes esse som pacificador, que era banda sonora de tantos sonhos. Nunca percebi a pergunta: É claustrofóbico viver numa ilha? Na verdade, ainda hoje me incomoda mais não ver a linha definida do horizonte no azul do mar, misturado com o do céu, do que ter muita estrada para andar, mas não saber o caminho ou de o percorrer e ter a sensação de raramente sair do lugar, mesmo com GPS.
Talvez fosse a música tocada pelo mar e dedilhado pela brisa suave do vento da tarde. Ou o perfume salgado trazido pela maresia. A encosta escarpada a medir forças com as marés altas. A terra molhada e os pés descalços no calhau aquecido do sol. Era solo fértil para plantar pensamentos mais ou menos profundos, acomodados numa cama de saruga como se fazia com o cebolinho plantando nesta altura do ano e que, se corresse bem, daria cebola grada mais para o verão.
Não sei bem o que era, mas talvez aquela coisa do destino que se tem para cumprir. As histórias que ainda há para escrever e o não ter medo da página em branco, nem da angústia do ponto final. A ilha tinha isso tudo. Ou era a juventude, mas uma coisa está intrinsecamente ligada à outra. Como as bananeiras, em que há uma mais pequena ao lado da mãe, para assegurar continuidade.
Na hora de partir para sono eterno, a avó -com grande consciência do que estava a acontecer, como era seu apanágio- chamou o avô e agradeceu a vida que tiveram e pediu desculpa pelo que teve de pedir. É impossível fazer passar as bodas de ouro sem ter necessidade de se penitenciar por qualquer coisa. Nem que seja pela resmunguice diária, as três pedras na mão, com que se respondia ou a impaciência que a rotina traz.
Deve ser por isto que muitas pessoas quando pressentem a sua própria finitude, querem fazê-lo em casa, longe de impessoais camas de hospital. O “chegou ao seu destino”, do GPS. O fecho de cena. A ilha tem esse chamamento, de partida e regresso. De princípio e de fim. O horizonte, numa linha onde tudo começa e encerra. Como os sonhos de meninas de pés descalços no calhau aquecido pelo sol, a ouvir as pedras enroladas nas ondas e saber que eram música, banda sonora e a vida por acontecer.