Sorrio quando amigos e até meros conhecidos me enviam mensagens quando está a chover, só porque se lembram do meu apreço à água que cai do céu. Unidos pelas gotas.
Não será, pois, de estranhar que estou um pouco aborrecida com São Pedro. Tem andado forreta ou chateado comigo, ultimamente porque, ou não me manda chuva, ou manda para onde não estou.
"_ Opá! tu é que tens sorte, passas o dia na Ponta do Sol, lá não chove!"
"_Yá, fixe, tasse, é meme isse", pensa o meu diabinho, que ainda está na adolescência, daí a linguagem, com ar de enfado estilo emoji a olhar de lado. Enquanto o meu anjinho, o que se manifesta socialmente como mandam as regras à Paula Bobone ou à nossa conterrânea Elisabete Andrade nos seu livro "Gestos de Cortesia, Etiqueta e Protocolo" anui gesticulando o esternocleidomastóideo para cima e para baixo delicadamente, como que a dar graças a Deus pelo constante sol e humidade que fazem as pernas roçar uma na outra até causar eritemas que, in extremis, podem pôr uma pessoa a andar à cowboy.
Não se enganem, porém, também chove na Ponta do Sol e então nas zonas altas, aquelas onde me fiz, ainda mais. Sou do tempo em que dormia ao som do vento a fazer assobiar as antenas que captavam RTP e, com sorte, Canárias no Verão. Não percebia a intenção de "apanhar Canárias", a cujos programas de televisão nunca se assistia. Agora percebo, era uma forma de nos sentirmos menos isolados no mundo e do mundo. Se "apanhar Canárias" era sorte "apanhar Marrocos", era encontrar o milho rei.
A levada transbordava e as pedras rolantes (os Rolling Stones das televisões canárias) ecoavam ruidosamente e em rebelião caminho abaixo. Sair à porta só de botas de água. Dormia-se tão bem…sem diazepam ou outros opiáceos que insistem em lembrar ao cérebro que há mais vida para além da que nos tira o sono.
Os intervalos da escola eram passados a saltar de pés juntos para as poças deixadas pelas tréguas de São Pedro, se corresse mal, de rabo também. Os fontanários verdadeiros santuários do recolhimento da chuva e a chegada a casa, de pés encharcados, cabelo pingando, mãe brigando são, ainda hoje, das lembranças mais aconchegantes que me povoam a mente.
O calor do lar, o quentinho do sofá com a manta grossa que o meu pai trouxe de Angola e a que chamávamos "o peluchinho".
"_Pronto, filha, agora estás protegida debaixo do nosso telhado". Dizia a minha mãe enquanto me abraçava, molhada, encharcada, depois de lhe passar a breca, porque me sabia feliz, protegida e feliz.