Os que vieram antes, aqueles que têm hoje cerca de 70 anos ou mais, receberam um País amordaçado e deixaram-nos um Portugal livre e democrático.
Deixaram-nos a autonomia.
Deixaram-nos uma enorme transformação política, económica, social, cultural, desportiva...
E nós, que temos hoje entre 40 a 60 anos, que herdámos tudo isso, que iremos nós deixar aos mais novos?
Que legado será o nosso?
Conforta-nos saber que fomos capazes de segurar a democracia, de agarrar a autonomia e de criar bases de desenvolvimento que estão à vista de todos. Que fomos competentes na defesa das outras conquistas de Abril, mesmo sabendo que esses valores nunca se completam totalmente.
É bom olhar para trás e perceber que fomos intransigentes na defesa de direitos, liberdades e garantias. Que, em algumas áreas, conseguimos acrescentar valor.
É motivo de satisfação saber que, apesar de tudo, não estragámos, ainda, o essencial do que herdámos. Fomos suficientemente astutos para sustentar a democracia que faz agora meio século, que é adulta e que nos trouxe até aqui em paz e relativa segurança e conforto. Que assegurou os mínimos no serviço de saúde, que melhorou em muito a educação, que se esforçou pelo direito à habitação.
É bom saber isso, apesar do que foi ficando pelo caminho.
Mas também é verdade que nos faltou o engenho de segurar todos os melhores. Que não conseguimos emprego digno para os jovens, sobretudo os mais qualificados. E que a muitos das novas gerações faltam perspetivas de futuro.
É mesmo perante esses que nos devemos preocupar. Os mais velhos, com maiores ou menores dificuldades, têm o futuro minimamente assegurado ou remediado.
E os mais novos?
Que País, que Região lhes deixamos? Essa é uma questão que certamente atormenta toda a classe da meia-idade.
Será sobretudo aí que se nota uma das mais preocupantes falhas geracionais destes anos.
Mesmo sabendo que tiveram uma infância, adolescência e juventude incomparavelmente melhores do que as gerações que os precederam – ou pelo menos com menos faltas de bens essenciais – fica a ideia de que falta fazer mais.
Falta criar maior consciência social.
Falta fazer crescer a cidadania acompanhada de espírito crítico. Que seja capaz de permitir que o pensamento próprio venha antes das modas das redes sociais e das ideias feitas por outros.
Falta substituir a apatia por entusiasmo e desejo de participação pública.
Falta aos que nasceram depois de Abril a capacidade de acreditar no sonho de fazer a sua parte pela mudança do pedaço de mundo que rodeia cada um.
As conquistas de Abril que se comemoram agora não se esgotam neste mês e muito menos no dia 25 de abril. Mas é estranho ver como meio século de uma fase tão importante da nossa história recente é comemorada de forma tão sem-jeito.
Há esforço de alguns órgãos de comunicação social, como por aqui se tem visto, mas falta vigor na afirmação de uma data importante que está a ser encarada como apenas mais um dia para exibir o cravo vermelho à lapela.
A falta de entusiasmo pode ser explicada pela agenda política, pelo tempo frio e pelo calor dos últimos dias. São justificações aceitáveis. Mas não deixam de ser manifestações de conformismo.
Se voltarmos à ideia do legado que herdámos, o que estamos a fazer é apenas a gerir a herança. A gastar o que nos deixaram. Mas todos sabemos que mesmo as grandes fortunas precisam ser alimentadas. Ou então, um dia, a riqueza acaba.
Queremos ser nós os estroinas que esbanjaram a herança?