São tantas as ocasiões em que recorremos a esta expressão idiomática, "quem me dera", através da qual se manifesta um desejo que, muitas vezes, sabemos ser inalcançável, pois a sua concretização está fora do nosso alcance.
Pois bem, escolhi este título porque hoje de manhã, no carro, ouvi a fadista Mariza, naquele fado que traduz a nossa alma lusitana, recorrendo a esta expressão, em sinal de esperança, de vontade que aconteça, pois cantava ela: "quem me dera abraçar-te no outono, verão e primavera".
E lá fiquei com aquela música "na cabeça", pensando no alcance daquela expressão.
Lembrei-me que, também eu, não a cantar (porque aí seriam os outros a dizer, quem me dera que este se calasse), utilizei o "quem me dera", quando me falaram da possibilidade dos Estatutos das Ordens Profissionais (EOA no caso da Ordem dos Advogados) não serem aprovados na Assembleia da República, nem promulgados.
Na verdade, eu tinha a convicção de que esse meu desejo era inalcançável, mas ainda assim quis expressá-lo, dizendo, "quem me dera que não seja aprovado", sabendo de antemão que esse desiderato não aconteceria.
Infelizmente, hoje aconteceu o esperado (mas muito indesejado) e o senhor Presidente da República promulgou tal decreto, cumprindo-se assim o desígnio dado a essa expressão.
Verdade, ouvi tantas vezes esse "Quem me dera", por exemplo, a propósito do Marítimo não descer de divisão, de não haver greve de funcionários judiciais, de não aumentar o IUC, de acabar a guerra da Ucrânia ou de Israel, mas em todas elas, não passaram mesmo de meras esperanças, algo que é quase inalcançável.
Nalgumas ocasiões, muito excecionalmente, a concretização do desejo acontece, mas, é o seu locutor quem já não está entre nós para assistir, como recentemente presenciei na entrega das cédulas profissionais aos novos Advogados (a quem, aqui publicamente uma vez mais parabenizo e manifesto o meu orgulho), em que, a avó duma nova Advogada, contava-me que, o seu falecido marido, sempre dizia: Quem me dera ver a minha neta ser Advogada.
Perante isto, respondi-lhe, quem me dera que todos tivéssemos essa força para acreditar no futuro.
E para não falhar, lá vou chamar à colação aquele meu cliente (do se fosse comigo), porque o homem, não pára de me surpreender, imaginem só que hoje de manhã encontrei-o e, depois do habitual, "bom dia senhor doutor, como está", lá me disse: Senhor doutor, estou muito desiludido com a justiça, já viu que trocaram o nome ao António Costa e afinal o outro Costa é que ainda vai ser chamado. Lá lhe expliquei que são transcritos milhares de nomes e palavras e que podem acontecer lapsos. O homem nada convencido respondeu: Isso é injusto, porque só a mim é que não me acontece, porque em todos os processos que tenho na justiça, nunca trocaram o meu nome e, quando há condenações e penhora dos bens, eles acertam sempre e vem sempre certinho no meu nome. E lá acrescentou, quem me dera que, um dia, também se enganem no meu, já viu, nem precisava de Advogado, o outro é que ia precisar.
Palavras para quê, perante isto apenas pensei: quem me dera que, um dia, este homem tome juízo e saiba o que diz.
E, para terminar, só espero que depois deste texto, não seja o caro leitor do JM a pensar: quem me dera que, daqui a quatro semanas, este se lembre de escrever alguma coisa de jeito. Sabendo que isso não passará dum desejo, eu diria: Também eu, pois, quem me dera saber escrever.