Todos os dias o rapaz aproximava-se às escondidas e ficava a observar o seu amor à distância e o seu amor amadurecia cada vez mais ao correr daquele verão e ele ardia em paixão por dentro e por fora e esforçava-se a todo o custo para lhe ver o corpo nu, ele queria tanto ver o seu corpo nu e seguia a rapariga às escondidas para onde quer que ela fosse e às vezes ela puxava o vestido para cima e metia os pés na água da ribeira até aos tornozelos e depois puxava-o ainda mais para cima e entrava na água até aos joelhos e depois ainda mais para cima até às coxas e o rapaz ardia e desfalecia ao longe.
Ele veio outra vez às escondidas e lá estava a rapariga na curva da ribeira, ali onde acaba o arvoredo e começa a aridez da serra e ela estava bonita e fresca e perfeita, tão bonita e fresca e perfeita como sempre, como nunca, e ele queria tanto vê-la entrar na água com o vestido puxado para cima até às ancas, mas de repente percebeu que ela estava a chorar e pensou que estava ferida e aproximou-se para a ajudar.
- O que foi? - Perguntou.
Ela olhou-o e disse:
- Estou a pensar na minha avó.
A avó tinha morrido há poucos dias e ela disse:
- Estou a pensar que estou sozinha no mundo.
O rapaz sentiu-se triste e disse:
- Agora a minha mãe cuida de ti.
E acrescentou:
- Não estás sozinha.
Ela respondeu:
- Vocês não são a minha família.
E continuou a chorar e então o rapaz afastou-lhe os cabelos da frente dos olhos e os olhos eram azuis e húmidos e profundos e o fascínio tomou conta de si como o fogo toma conta do fogão e a rapariga compreendeu isso, a rapariga compreendeu a força do desejo a vibrar dentro dele e desviou o olhar para as mãos e ele acarinhou-lhe os cabelos e os cabelos eram longos e negros e macios e ele disse:
- Vem comigo.
Foram pelo córrego e as ervas da berma roçavam nas pernas da rapariga e o som das ervas a roçar nas suas pernas era maravilhoso, era um som verde e húmido e sussurrante e ela sentiu um arrepio de prazer avassalador, até que chegaram à beira do palheiro e subiram os degraus de pedra do lado esquerdo e o rapaz tirou do bolso a chave do cadeado e abriu a porta de madeira velha e gasta e eles entraram e sentiram o cheiro quente e azedo da vaca que estava no andar de baixo e o cheiro da vaca passava para cima através das frinchas do tabuado do chão e o rapaz abriu a janela do palheiro e a luz do fim da tarde entrou de rompante no princípio do seu amor.
A rapariga sabia porque estava ali, mas tinha vergonha de tirar a roupa, toda a roupa, e ele também tinha vergonha de tirar a roupa, toda a roupa, e ficaram assim a olhar um para o outro, cada um com a sua vergonha, e depois o dia começou a acabar, a cair cheio de sombras sobre o vale e aquele era o primeiro entardecer do resto das suas vidas e então o rapaz tocou-lhe na cara e ela fez o mesmo, tocou-lhe na cara, e ambos foram sentindo o nascer dos corpos, o calor e o frio dos corpos, a secura e a humidade dos corpos, o tempo lento e veloz dos corpos, o ruído breve e longo dos corpos e o silêncio também, o silêncio dos corpos, o silêncio do amor, porque o amor é silêncio, pensou o rapaz, o meu amor é silêncio e aquela foi a primeira vez do amor.
Quando ele acordou, tinham já passado muitas horas e ele notou a presença da aurora na poeira que bailava colorida dentro de pequenos raios de luz que desciam por dois furos que havia na cobertura de zinco e assustou-se por isso, por ser já um novo dia, e levantou-se e foi espreitar pela janela e viu ao fundo as casas do sítio e as casas estavam claras, muito claras, tão claras como só o dia permite ver as coisas do mundo e ele pensou que tinham dormido muito.
- Dormimos muito! - Disse em voz alta.
E depois pensou que o amor é pesado e tira as forças e amolece a alma e ao mesmo tempo levou as mãos à cabeça e sacudiu o cabelo em desalinho e do cabelo saltaram pedacinhos de palha que ficaram a pairar no vazio e depois, em sobressalto, ele reparou que a rapariga não estava ali, o seu amor nu não estava ali.