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Artigo de Opinião

ÀS VEZES VOO. ÀS VEZES CAIO

Jornalista

3/07/2023 04:07

Contra a brisa do templo, ergue-se, lá fora, o sangue mais ávido, mais rápido. Lá fora, estão os homens que desejam, sabendo que o desejo não cairá nunca do céu, mas do acontecimento mais devastador, de um verso, da sombra, da desolação. Um Deus vivo há-de ser desvio, há-de cair e ser mar à volta da cintura de uma mulher, há-de rir-se da altivez de uma inocência forjada no brilho das pedras intransponíveis, urdida metodicamente entre dedos já mortos.

Não subam a cortina, não apaguem as luzes. Não façam cenas.

É inevitável e terrível; a cidade perde-se na sua desatenção, abstém-se do milagre quando olha para cima, desconhecendo que Deus, de verdade, só é capaz de amar-nos se procurar o lugar onde nos dói, se operar o seu milagre na entrega profunda a esse persistente movimento de desocultação, que é o mesmo que dizer, à beleza.

Hei-de ainda encontrar esse Deus, perto, na fundura da boca bebendo o metal da terra, na mãe regressada destruída pela ternura do filho, longe dos altares e dos êxtases dos peregrinos, longe do sangue que só corre por fora. Talvez aqui, à face da terra, entrando nocturnamente no lago, na razia da minha mão até à flor indizível, ou por dentro do medo - o mais provável -, nessa paz limítrofe e implacável, tempo ininterrupto onde se detém a sua mão precedendo a chegada ao meu corpo, onde, e só, há-de então doer-me.

Susana de Figueiredo escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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