MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

16/03/2021 08:02

Desde a última vez que aqui escrevi, a Perseverança chegou a Marte. Dentro levava o Talento («Ingenuity», que outrora significava também simplicidade). Nunca subestimei a relação profunda entre a simplicidade e o talento. Antes desta viagem que durou cerca de oito meses e centenas de milhões de quilómetros de «espaço profundo», sobrevivendo aos «sete minutos de terror» enquanto navegava na atmosfera marciana, já a Oportunidade e a Curiosidade - outros veículos que seguiram para Marte e que cresciam em tamanho e ambição - por lá tinham estado. Curiosidade, oportunidade e perseverança (com talento e simplicidade por dentro): uma boa receita para descobrir se há mais vida (para além de ou) em nós. Se tens olhos para.

A National Geographic diz-nos que podemos utilizar esta viagem até Marte como uma oportunidade para que as nossas crianças se interessem pelo espaço. Fala-nos de uma estrela laranja de nome Aldebaran que surge «ao lado» de Marte, mas que está a 66 anos luz de distância da Terra, ou seja, a luz desta estrela demora 66 anos a chegar ao nosso planeta. Acrescenta que «por cima» de Marte há um aglomerado de estrelas compactadas, as Plêiades, que estão tão distantes que a sua luz demora 400 anos a alcançar os nossos olhos, concluindo que, quando observamos objetos no espaço, estamos a olhar para trás no tempo. Em França, um grande grupo de edição tem os autores de referência editados sob a chancela da Pléiade. Lendo tais autores, percebemos que, mesmo estando a olhar para o passado, podemos entrever, no tempo presente, o futuro. Se tens olhos para.

Anaïs, como o perfume, é uma das duas adolescentes e amigas que foram acompanhadas entre os 13 e os 18 anos - a idade de todos os possíveis, de todas as plêiades - pelo realizador Sébastien Lifshitz e cujo documentário Adolescentes acaba de ganhar, entre outros, o César do melhor documentário. Anaïs não tem uma rede de segurança. Quer ajudar os outros tornando-se enfermeira. Durante a pandemia, confidencia, «vês, eu poderia ter ajudado toda esta gente». O primeiro estágio não correu bem. Agora, está à espera de acabar os estudos. Se não conseguir, «acabará a trabalhar para [uma cadeia de fast food] ou numa caixa de supermercado». Não sei se assim será. Veja-se o caso de Ahmed, o menino iemenita de 9 anos e cego desde a nascença que assume o lugar do professor quando este não vem. A escola primária de Ahmed era o orgulho do distrito até 2016, ano em que foi ocupada pelos rebeldes e se tornou campo de batalha. No entretanto, apesar de ter sido reduzida a escombros, a escola foi reocupada pelos alunos que, muitas vezes, se sentam e esperam pelos professores que não chegam pois há anos que não são pagos pelo governo. O que será que Ahmed vê quando olha para o céu?

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