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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

14/02/2023 08:00

O porto-santense Manuel Gregório Pestana Júnior participou na greve académica em 1907, e viria a ser, em 1910, o primeiro administrador republicano do Funchal, tendo participado na Revolta da Madeira no início dos anos 30 do século passado, degredado por duas vezes (Açores e Cabo Verde) e posto de parte outras tantas pelo Estado Novo. Muitas das lutas republicanas, com o grande hiato desse tal Estado que se queria Novo, foram prosseguidas com o 25 de Abril. Segundo, é também bom saber que há um motorista que transita por essa Via de Abril e que percebe que, por vezes, seguir estritamente as regras equivale a desrespeitá-las. Os romanos legaram-nos adágios que nos poderiam confundir: «dura lex sed lex» (a lei é dura, mas é lei) e «lex iniusta non est lex» (a lei injusta não é lei), mas não confundiram este motorista de autocarro que percebeu muito bem que, neste caso concreto, a maior injustiça seria seguir a regra. Nas Faculdades de Direito, aprende-se que há que aplicar o direito ao caso concreto («Quid iuris?), mas a pergunta que nunca pode deixar de ser feita é «Quid ius?», ou seja, questionar continuamente o sentido do Direito pois se o conjunto das normas em vigor não nos representarem enquanto comunidade podemos - aliás, devemos - alterá-las. Este «direito achado na rua» liberta-nos mas também nos deixa uma enorme responsabilidade enquanto sujeitos de direito, de co-realizadores da coisa pública. Não é a democracia deles, é a de todos nós. Também por isso me parece muito importante escutar, por exemplo, o que dizem os professores em Portugal relativamente ao respeito que exigem (no sábado, vi imagens de vários professores emocionados que, por vezes, deixavam de falar e saiam do enquadramento das câmaras; nunca se poderá deixar que os professores saiam do enquadramento das nossas preocupações mais vitais), o que dizem os trabalhadores franceses, também na rua, que o seu entendimento do contrato social não valida esta reforma do sistema de pensões e recorde-se que a famosa doutrina TINA [«there is no alternative», (não há alternativa)] constitui uma grande entorse à ideia de debate democrático, pois anula essa possibilidade. É verdade que necessitamos de factos - e de bom jornalismo -, de tempo, de reflexão e de uma certa distância crítica - em suma, do tal «sinal de recolha e de paragem» - para podermos desempenhar o nosso papel de cidadãos, mas não deixa de ser verdade que só cortando a carambola é que podemos ver que ela tem forma de estrela.

Há dias, ouvi a radialista francesa Rebecca Manzoni recordar-nos que o epílogo do último livro de Salman Rushdie, Victory City - publicado este mês apesar de o autor ter sido esfaqueado em Agosto passado e de ter perdido a visão no olho direito e o tacto na ponta dos dedos de uma mão -, se refere ao facto de que, no fim, serão apenas as palavras que vencerão, ao que acrescento, e nós, se soubermos ser deputados constituintes - como Pestana Júnior - dessas mesmas palavras.

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