A maior parte anda entre altos e baixos, mais ou menos a meio, ora mais acima, ora mais abaixo. Mas ele não, andava sempre fora da norma, em altos que era superlativos absolutos sintéticos e baixos que eram comparativos de inferioridade.
E é difícil quando nem se anda entre altos e baixos como os outros. Para os outros e para os próprios. Há quem pense que é uma questão de humores, de acordar mais ou menos disposto, de ir ver o mar e ouvir os passarinhos, mas há um desalinho maior que esse, que não se cura, só se melhora, estabiliza para depois piorar outra vez em superlativos quase sempre insuportáveis.
Era nisso que pensava quando olhava o mar, que se apresentava desafogado, visto da zona alta onde agora vivia, a banhar a cidade com suavidade e doçura. Nunca teve essa ligeireza das ondas que se deitam pachorrentas nas pedras do calhau nos dias bons. Viveu a chocar com elas, como se fossem sempre dias de tempestade. A vida pesa quando se oscila entre velocidade excessiva e contra-mão.
O mar visto de longe é sempre calmo, não se vislumbra o tamanho das ondas, adivinha-se picado e interpreta-se as suas cores. Cinzento raramente é bom e quando está castanho de lameiro, pior ainda, saberá Deus como correm as ribeiras e o que levam consigo.
Pensa na Páscoa e naquele dia que teimou em cavar numa Sexta-Feira Santa depois das 15 horas. Era a urgência da hipérbole na sua cabeça. A enxada partiu e sentiu que era sinal divino. Abandonou a tarefa num ato de contrição sentido, a Páscoa era arrependimento, perdão e recomeçar de novo. Como ele, nos ciclos intermináveis de altíssimos e baixíssimos, quase sempre superlativo, absoluto, sintético. Mas a repetição traz cansaço. Recomeçar fica mais lento e difícil e o eterno retorno é nada mais do que uma viagem sem fim.
Ri-se, sozinho, com a ideia de que poderia ter ido buscar outra enxada para ver o que aconteceria. Mas é temente a Deus, quase todos os dias, menos quando a hipérbole que mora na sua cabeça vira o jogo dos adjetivos. O superlativo passa a relativo de superioridade. E aí nada teme, nem Deus. Não nessa Páscoa, em que se arrependeu e pediu perdão, também pediu clemência, ninguém deveria viver sempre no desalinho das velocidades e dos sentidos. Queria o milagre da normalidade, dos altos e baixo de toda a gente, com o intermédio pelo meio. Queria experimentar, por fim, o grau normal da adjetivação. O bom, o razoável, o ligeiro. Sem mais, sem menos. Deus não terá escutado, talvez também não trabalhasse depois das 15 horas. Foi má a escolha de dia. Não repetiu o pedido nas Páscoas que se seguiram e o milagre da Ressurreição, para si, continua a ser passageiro.