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Artigo de Opinião

ÀS VEZES VOO. ÀS VEZES CAIO

Jornalista

9/05/2021 08:00

Páro na exumação do último tempo. Sou a primeira fila dos teus olhos fechados; e se um dia me perguntarem onde começa a tua mão a ser o meu corpo, direi que o meu corpo só existe depois dela. Para ela.

Sabes, eu não quero já começar nada, cheguei a um tempo em que tudo acaba e percebo agora a beleza do fim, de tantos fins por que ansiei e cheguei a temer. Hoje não. Tremo seguramente nos lugares onde o corpo morre, colho restos de flores debaixo das unhas e cruzo os dedos junto à boca todas as noites. Dentro de todos os medos e do lado de fora do medo maior, sopro o nome de Deus contra o peito, contra o frio que, quase sempre, a palavra me traz enquanto o corpo não vem salvar-me. Salvar-nos. Por vezes nem calor nem frio, apenas uma aragem matricial rente ao chão onde os meus joelhos não pousam porque o sangue deixou de abrir as feridas. Corre tudo para dentro, numa espécie de valsa que o sol vai encobrindo em vez de abandonar. Ou esquecer.

Depois, há este tempo tão morto a não ser já pulsão nem desvio dentro da cabeça; mas é o coração que verdadeiramente pode. Por último, é ele que pode. Talvez eu me finde antes dele, quando toda a perturbação se transformar na mais clara das noites por onde fui - sempre fui - dor limpa, sem cálculo ou tempestade. Só desejo.

Um dia a dormência há-de ser a vida e a escuta de antes um zumbido intermitente ao cimo do silêncio, o pássaro chamado pronto para cair. Sabes, toda a delicadeza sobe para o fim; é uma perseguição benigna que acomete apenas os velhos e os inocentes, os que ardem ainda.

Vem beijar-me as mãos. Vem, antes que eu cruze os dedos e aniquile de vez os restos florais sob as unhas. Espero-te antes da violência do nascimento, antes de a morte descer pela garganta como uma misteriosa nutrição. Dá-me a imobilidade das árvores para que eu possa sentir a invenção do céu e todas as vagas das tuas mãos eternas.

O meu corpo, o teu corpo, o reflexo das tuas mãos pousado na minha anca. Não poderia nunca sabê-lo antes; é a sombra que abre o corpo, mas nasce a luz todos os dias para esgotá-lo.

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