O título deste artigo é exatamente o do livro de Ailton Krenák sobre a ideia de futuro que, por vezes, nos assombra com cenários apocalípticos e, outras vezes, nos promete a possibilidade de redenção, como se todos os problemas pudessem ser resolvidos magicamente. Diz ele: “os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.”
A reflexão do autor brasileiro veio-me à mente ao ler o artigo de 14 de setembro do “Público” realizado por Ana Cristina Pereira. O incêndio durou 13 dias. Mais de 5000 ha de área ardida nos municípios da Ribeira Brava, Ponta do Sol, Câmara de Lobos e Santana. 139 ha queimados de Laurissilva, património da humanidade. 120 residentes da Fajã das Galinhas afetados. Um lugar em que várias pessoas habitavam esvaziado para sempre. No Curral das Freiras, diversos foram os que perderam as suas árvores de fruto, as suas culturas e, por isso, são obrigados a repensar a sua vida. E tudo isto porque os homens continuam a olhar a natureza como consumo e não como parte da sua própria existência. Pensando em Krenak, esquecemos no nosso caminho ignorante de que pertencemos a um ecossistema, que as florestas, as plantas, os animais, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são o nosso futuro ancestral.
Aprendemos pouco com aqueles que são os nossos companheiros de jornada, os rios, os ribeiros, as árvores, as escarpas. Não escutamos e não fazemos uma observação crítica dos nossos comportamentos. Os povos antigos sabiam que dependiam da natureza e que qualquer possibilidade de destruição acarretava um dano para o futuro. Encurtava a nossa possibilidade de ter e projetar o devir. Fechados em cidades e em gabinetes cheios de boas intenções, continuamos a mesmice de destruição sem saber conjugar em nós o nós-árvore, o nós-montanha, o nós-planta, o nós-animal.
Enquanto se continuarem a fazer discursos políticos a proclamar que não há danos quando há só terra queimada, as crianças vão aprender a não dar valor ao seu futuro ancestral. Não morreram fisicamente pessoas, mas e o luto que sentem pela casa perdida, o meio de vida abruptamente transtornado? E o que perdeu a comunidade com exemplares da fauna e da flora consumidos pelo fogo, alguns talvez irremediavelmente?
Se continuarmos a humilhar a natureza e a destruir o que é insubstituível, só teremos passado. Um passado sem memória. Se continuarmos a não ouvir os cientistas, os especialistas, os poetas, vamos matar os seres maravilhosos, resilientes, que são os nossos companheiros de vida e nos sustentam. Se não mudarmos de rumo, se não escutarmos as vozes das águas, das plantas, da terra, a favor de interesses económicos, políticos, de consumo, tradições culturais imutáveis (como se a cultura não fosse dinâmica e tivesse em si o potencial da reflexão e adaptação), deixaremos para as gerações seguintes apenas a caixa-negra de uma civilização que esqueceu o mundo a que pertence e lhe sorveu a energia.