MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Advogada

26/11/2021 08:01

Como só me mudei com os meus pais no ano seguinte, o meu décimo ano foi vivido ali.

Um dos piores anos da minha vida. A minha mãe mudara de profissão e nesse ano, fez o percurso Ponta do Sol/Funchal e vice-versa todos os dias pela estrada antiga e não havia telemóveis, apenas o fixo que alguém atendia na casa-mãe e transferia para as nossas instalações que, sobretudo uma minha colega de quarto, ocupava mais de uma hora em conversas não deixando espaço para que a minha pudesse dizer que chegara bem a casa, até o limite do atendimento. Muitas vezes adormeci chorando, sobretudo em dias de inverno por não saber da minha mãe.

O quotidiano se contado a uma adolescente de quinze anos, como eu fui em Santa Clara, parecerá bizarro, mas era mesmo assim: tínhamos horas para tomar as refeições, que eram uma porcaria, então para quem, como eu, tinha aulas ao sábado de manhã, só para aumentar o suplício, o adjetivo era aditivado ao limite de semilhas verdes greladas, chicharros secos e croquetes que só se deglutiam misturados em água. Atravessávamos o pátio do Infantário que lá existe e transportávamos as marmitas de três andares, em alumínio. O que o cheirinho a hospital dececionava o mini-Sá em frente, na esquina, compensava em tortas "Dan Cake", iogurtes e queques.

Às quartas as 12 meninas eram coagidas, sim obrigadas, a assistir a uma espécie de catequese administrada pelas Irmãs Josefina e Teresa (cujo destino perdi na linha do tempo). Famosa é a recriação da "Ressurreição de Lázaro" em que a personagem principal surgiu embrulhada em papel higiénico. Escusado será dizer o que eu, "irmã Marta", do alto do meu corpo embrulhado num lençol amarelo disse a Lázaro, embrulhado em papel higiénico…

Já vos disse a que horas tínhamos de dar entrada no Convento? Não? 19 horas, de inverno ou de verão. Sem justificação arriscávamo-nos a ficar na rua e em última instância a ser expulsas. Havia uma excepção, as quintas-feiras em que nos era permitido regressar pelas 21 horas. Era o regabofe a descer a Calçada até a baixa e de regresso às 20:59:59.

As divisórias onde dormíamos tinham um teto único, as almofadas voavam de um quarto para o outro. Como o meu era o primeiro e pretendia chegar a um dos mais distantes, um dia, atirei um cão de peluche com demasiada força, foi bater ao quarto das freiras, que por serem as mais idosas, já não tinham os sentidos apurados, graças a Deus. Tal como uma ninja de pijama às flores, rastejei pelo quarto das freiras adentro, enquanto dormiam o sono do Senhor, para resgatar o cachorro, ou teria muito que explicar no dia seguinte.

Certo dia resolvemos explorar o complexo e acabamos na Igreja. Pisamos o chão artisticamente sagrado, vimos ossadas debaixo do altar e fugimos a "sete canelos" da visita de estudo clandestina, mas poucos poderão dizer que visitaram a Igreja de Santa Clara pela calada da noite. Já prescreveu e afinal, vivíamos lá.

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