O que me assusta é a eternidade espalhada fora do corpo, um vapor despojado de sal, ossos e sangue, incapaz de aquecer outro corpo deitado sobre o frio da noite. Que milagre será, então, a eternidade, um Deus vaporizado amputado dos braços do pai, uma boca inodora onde todo o verbo se desfia. Como hei-de crer numa só palavra sem o movimento das mãos desse corpo que deseja uma mulher, um homem. Não é que eu queira explicar a vida ou a morte, o vazio por detrás dos ombros ou a pedra rápida que esmaga o tempo. O silêncio pode ter a força dos dedos de uma ténue planta e o invisível o peso inteiro de um corpo. A beleza não se explica fora do corpo, sem o lume, a sede, o hálito, a fome. A beleza não pode ser longe da boca que afaga, da mão transformada em fogo.
Explica-se a eternidade nas pernas efémeras do amante, na profundeza incalculável do seu peito coberto pelas sombras, na infância que cresce do alto da morte, no instante em que dois corpos lutam para o fim. Se eu pudesse ainda escutar o grito da mão ungida pela última face, subindo depois pelo corpo já frio como um pranto primeiro, antigo. Se a vida, como a morte, fosse para sempre, os meus olhos haveriam de fechar-se dentro do teu peito como as mãos urgentes das crianças que guardam a casa junto à terra.
O que me assusta é a árvore que não se aprofunda na terra, é o seu corpo não poder mais enlouquecer, ou ser tocado depois dessa ausência funda que a memória cava nos olhos de Deus. Ele que, naqueles dias, era feito de carne em torno da própria boca, da própria palavra; e era um homem e desejava. A beleza de um corpo que morre de não suportar a eternidade, a beleza duríssima da sua condenação há-de, talvez, explicar o que o homem chama de sagrado. Um peito de sombras onde ir morrer, quando resta apenas a coragem impreparada para desistir.