E então não poderei perder-me; o vento trazer-me-á à superfície e levar-me-á ao fundo silencioso de limos e peixes, e os meus braços perderão toda a força das vontades para o desejo último de um só corpo, como se em vez de dois braços fossem afinal o peso inteiro da rocha ainda viva procurando semear-se para sempre nessa líquida carne que se esconde na veia mais profunda da terra.
Uma ilha é ainda mais. Um corpo chega julgando que é para morrer, mas a vida não consegue pará-lo antes do tremor extremo guardado nas mãos da noite, no sol da melancolia onde ardem crisântemos altos e escuríssimos, vigilantes petrificados que o coração vai mutilando, se ainda bate.
Uma maçã incendeia-se no colo da mãe enquanto os filhos dormem no cimo do Verão. Uma sombra vem aconchegá-los antecipando os dedos untados da mãe envenenada pelo tempo, do fim do seu ventre não gerado; mas o mar há-de inundar-lhe os pés e solver-lhe os ossos do corpo, há-de fazê-la respirar como o pássaro que só agora começa a consumação do vento ou a matriz da rosa inexplicável. E consumando-se a beleza, uma ilha será sempre este corpo pronto para ferir; crivado de água e de plantas suspiradas, abismo nocturno onde a desordem encontra o fôlego de um animal novo, um nervo único auscultando o sono da terra que a deixa intacta ao peso dos homens, ao sal do sangue. E só o silêncio leva a boca até ao lugar arterial da água, até à mancha claríssima de duas mãos procurando a palavra que ardeu na cabeça de Deus.
Numa ilha não hei-de poder nunca uivar ao silêncio, nem coar o escuro ou as sombras que morrem sem que a morte as vença. Uma ilha saberá sempre acolher a devastação de um corpo que luta contra ser inteiro. Uma ilha será sempre divinamente lenta. Um corpo a regressar ao mar.