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Artigo de Opinião

ÀS VEZES VOO. ÀS VEZES CAIO

Jornalista

1/08/2021 08:00

Um dia não nos salvaremos, ainda que haja lume ao fundo do corpo e uma única veia a atravessar o frio. Um dia não hei-de querer salvar-me, porque a salvação é este erro que chega aos gritos e vem da garganta dos homens. Abdico, então, desse levantar das pedras e dos fétidos destroços da pele que não me aquece. De tão viva, hei-de, um dia, morrer para sempre, longe do falsete do mundo, dos homens que não sabem morrer e hão-de vir salvar-se com saliva sobre a mortalha dos que nada podem.

Anjos, é para vós que falo sem dizer uma palavra; sabendo do peso do rosto nas vossas mãos e dos braços que estendem a um estranho que só vos quer salvos para sua própria salvação, a menos que depois do tempo. A menos que. É, porém, o estranho quem se salva - para quê? -, desconhecendo atrozmente a semente de todas as suas mortes; não o esqueçam, é ele quem sibila o vosso nome no escuro ainda antes de se aprofundar na escuridão dos dias, porque o tempo urge e não há-de salvar-lhe as mãos do frio, ou o rio que abandona a própria margem.

A imortalidade nasce sempre da lâmina da superfície, e eu creio no quão perverso pode ser um coração que não pára de bater. Até ao fim, olha-me nos olhos como se te importasse a vida que não pulsa, como se a carne do meu braço se cerzisse da tua, como se a tua fome fosse maior do que o meu desejo ou o meu desejo mais faminto do que a tua fome. Conta-me, de que sobrevive a tua fome? Se fores capaz, inunda os teus olhos da compaixão que nos falta, da morte que nos falha de todas as vezes que somos ternura e resistência. Uma não se quer sem a outra. Não quero.

Na verdade, não sei se ainda vamos a tempo, ou se o tempo ainda virá sobre a nossa carne, se deixarmos, por uma única vez, o mal entrar. Disse-me, um dia, um frei que "o pecado é estragar", e eu tomei estas palavras como uma oração. Estragamos demasiado, estragamo-nos irremediavelmente, pois nada sabemos sobre o regresso ou a reparação. Enfim, nada sabemos sobre salvação, sobretudo hoje, que é Domingo, e não nos vemos cada vez menos santos, nem cada vez menos homens. Nem menos.

Anjos, é por vós que me calo e mergulho na superfície, sem saber se me escutam ou se nos salvam.

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