A tia já chegou para fazer o pão, a véspera de Natal é excepção, normalmente é ao sábado. A amassadeira esculpida em peça única de madeira contém, já, a massa que será violentamente socada e virada, não sem antes lhe ser feito um sinal da cruz para que nunca nos falte o pão nosso de cada dia.
Ainda remelenta chego a tempo de dar o meu contributo na sova da massa com bocadinhos de batata doce. Bem tento mas, a minha força não dá nem para modelar um brindeiro e deixo a arte para quem sabe.
É altura, pois, de ver por onde anda o resto da população da casa no dia mais feliz do ano.
No terraço da garagem encontro o meu irmão a colocar bombinhas de Natal dentro de latas e pimpinelas que aterram na casa de Zé Pinheiro, o vizinho e… bem, e em detritos orgânicos caninos que tinham como pré-requisito um qualquer "bunker" para se proteger do resultado da experiência e da consequência: a chegada da minha mãe de vassoura em riste e parede aromaticamente pintalgada.
Então a mãe andava por aí! Pois andava, estava a fazer uma última fornada de broas de mel e brancas, umas que saíram de moda mas, sempre foram as minhas preferidas. Enquanto coziam, contrariando o aroma do resultado da bombinha na poia do cão, organizava os presentes das toneladas de afilhados e escondia os nossos, para mais tarde.
Entre risadas e esgares de nojo com a assistência dos cães, sentados a olhar para nós com a cabeça de lado como que a questionar:_"O que faz o resultado final da minha da minha digestão no telhado?" Tentávamos apagar os resultados da experiência, com a ajuda da prima, antes que o meu pai chegasse e confiscasse o resto das munições. Afinal, na fila, estava ainda uma batata, um abacate podre e uma anona madura.
O pai chegou e com ele tangerinas, semilhas e provavelmente uma galinha viva dentro duma saca, oferta certa dum compadre imbuído do espírito natalício.
Em breve será tempo de seguir com ele distribuir os presentes, com votos de Boas Festas.
Quando regressar a parede estará de novo pintalgada, desta vez de "compota" de anona que ninguém se importará em limpar, o aroma é agradável, e Zé Pinheiro estará a devolver latas amolgadas, a barafustar no seu imperceptível e adorável fanhoso.
Anoiteceu, já só está em casa quem dorme na casa.
A consoada está na mesa e o pudim de veludo no forno, inteiro, assim pensa a minha mãe, completamente equivocada, já foi perfurado e rendilhado pelos dedos atrevidos dos mais novos.
Segue-se a missa do Galo onde com, asinhas de gesso a sair das costas, o anjinho anuncia a chegada do Messias "deitadinho nas palhinhas" e a entrada das romagens no evento religioso mais luminoso da Paróquia de Cristo Rei.
Já é dia de Natal. O Messias nasceu e nos nossos corações o desejo de luz, calor e amor. Feliz Natal do amor, da luz e do calor.