O ato de votar é, como todos sabemos, mas facilmente esquecemos, uma prática recente na história do nosso país. Ainda não passou meio século desde que saímos da ditadura, um tempo em que não havia eleições ou, se as havia, eram um faz de conta para o mundo exterior ver. Não se pensava, então, ser de qualquer valor auscultar a vontade popular. A elite governante achava-se investida do direito, da sapiência e, consequentemente, do dever de decidir, enquanto desprezava a massa popular que considerava — e fazia por manter — ignorante, incapaz de querer outra coisa diversa daquela que lhe era imposta. A essa massa silenciosa cabia obedecer como rebanho conformado. E, se alguma ovelha se alevantava de entre as outras, havia que capturá-la, puni-la, amordaçá-la até que se convencesse a mudar ou a calar as suas ideias e, em casos extremos, em que nada resultasse, subtrair-lhe a vida. Até que pudéssemos usufruir da democracia, muitos foram os que por a sonharem sofreram os horrores da perseguição política.
Os conceitos de direito e de dever envolvem este ato em que todos podemos participar, mas ao qual muitos se furtam, por comodismo, por considerarem irrelevante a sua participação ou uma maçada que lhes rouba o tempo a outras atividades que lhes parecem mais entusiasmantes no momento. Dizem que não vale a pena, que os políticos são todos iguais, que não se coíbem de prometer tudo o que seja aliciante para atrair o voto sem intenção de cumprir; que usam o cargo como forma de promoção de prestígio social, esquecendo que ele implica comprometimento; ou, ainda, que são peritos em fraudes que lhes tragam proveito, a si e às suas clientelas. Há quem vá mesmo ao ponto de afirmar que antigamente os governantes eram honestos, ao passo que hoje, todos são corruptos, ideia que me surpreende e creio que só pouca reflexão ou juventude a poderá justificar. No tempo do fascismo, a corrupção não faltava. Estava, contudo, encapotada e, se alguém dela sabia ou suspeitava, calava-se com medo das consequências. Hoje, a que existe tem dificuldade em passar despercebida, devido à abertura do regime político e à proliferação de meios de comunicação que a divulgam. Revoltamo-nos e, tantas vezes, sentimo-nos impotentes para a combater, mas virar as costas e deixar que o mal se instale e, de novo, nos cale não será, por certo, a melhor solução.
Apesar de ter consciência que a nossa participação cívica não se esgota nas eleições, acho fundamental tomarmos parte nelas e, por isso, desde que nos foi permitido, faço questão de pôr o meu voto na urna, mesmo quando isso implica alterar planos ou, mais recentemente, recorrer ao voto eletrónico. A abstenção é, para mim, incompreensível, até porque a democracia nunca está garantida e estes são realmente momentos em que, sem condicionamento — uma vez que é um ato secreto—, podemos expressar as nossas preferências na gestão da sociedade a que pertencemos e exercer esta pequena fatia de poder.
Portanto voto. Voto porque quero, porque acredito que a democracia, com todos os seus defeitos, é o melhor regime político que podemos ter. Voto por respeito aos que sofreram para que o possamos fazer hoje. Voto, porque sinto que é meu dever fazê-lo em prol das gerações futuras para que também elas tenham esta prerrogativa.