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25 Abril: Quando tentar emigrar podia significar uma sova da PIDE na Madeira

Data de publicação
21 Abril 2024
9:42

José de Jesus e João de Sousa Vicente, do Jardim da Serra, foram detidos pela PIDE na década de 1960 porque pretendiam emigrar clandestinamente, constando entre os cerca de 1.800 presos políticos do Estado Novo na Madeira.

“Não se lembram da PIDE? Era uma gente bem triste. Foi uma gente muito crua, pisou muito as pessoas”, disse à agência Lusa José de Jesus, agora com 93 anos (faz 94 em maio), explicando que a sua detenção ocorreu no aeroporto, em 1967, juntamente com outros cinco indivíduos, quando se preparavam para embarcar.

“Tiraram-me a correia e a carteira, deixaram-me só com um troco no fundo da algibeira, a mim e aos outros”, contou, indicando que tinha 37 anos na altura, era casado e já com filhos.

O objetivo era emigrar para França, mas, como não tinham documentos de autorização, foram conduzidos à sede da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), localizada na rua da Carreira, 155, no Funchal, onde permaneceram até às 03:00. Depois foram encaminhados para as instalações da Polícia de Segurança Pública, para pernoitar, onde já se encontravam outros 18 detidos e onde não havia nada para comer.

“Fomos ao lixo procurar. Alguns diziam que morriam à fome, mas não comiam. Outros ainda deram uma dentadinha. Eu cá não comi nada”, recorda.

A deslocação entre as instalações da PIDE e da PSP prolongou-se por dois dias.

“A mim não me bateram. Com mentiras não se arruma nada”, disse, contando que o mesmo não se passou com outros elementos do grupo, havendo um que “comeu um soco e deitou sangue pela boca”.

Um seu tio, que também integrava o grupo, “comeu uma lavagem de cavalo-marinho [chicote], porque disse que ia para Lisboa”, contou, explicando que o propósito da PIDE era descobrir a identidade do “passador”, o responsável por encaminhar os emigrantes para França.

“Eles queriam amarrar o povo aqui, por causa do trabalho”, disse José de Jesus, adiantado que “só se saía com carta de chamada” e esta lembrança, como outras durante a conversa, fê-lo soltar uma grande gargalhada.

Falando à Lusa, primeiro em casa, no Jardim da Serra, freguesia do concelho de Câmara de Lobos, e depois junto às antigas instalações da PIDE, no Funchal, José de Jesus explicou que, naquela época, muitos proprietários de terras e empresários não queriam perder a mão-de-obra e, por isso, denunciavam os trabalhadores que de algum modo manifestassem vontade de emigrar.

“Havia informadores aí e então acusavam a gente. ‘Aquele ouviu, este acusou-me’ e mandavam prender”, disse, para depois reforçar: “Esta coisa da PIDE é um caso sério. Aquilo não se fazia.”

De acordo com o livro “Presos Políticos do Estado Novo na Madeira”, um estudo pioneiro ao nível da região, da autoria do jornalista madeirense Élvio Passos e do advogado João Palla Lizardo, lançado na sexta-feira, pelo menos 1.854 pessoas, dos quais 1.735 homens e 118 mulheres, foram presos pelas polícias políticas entre 1933 e 1974 no arquipélago.

A esmagadora maioria dos detidos está relacionada com a emigração clandestina, muitas vezes motivada pela fuga ao serviço militar, como foi o caso de João de Sousa Vicente, interpelado pela PIDE em 1969, já a bordo de um navio, no porto do Funchal.

“Eu tinha mais ou menos 18 anos, era para ir para a tropa, mas eu queria desviar”, contou, explicando que ele e dois primos iam “com jeito de fugir para França” e tinham já pagado ao “passador”.

A PIDE intercetou-os a bordo num sábado e ordenou que abandonassem o navio e comparecessem nas instalações da rua da Carreira na segunda-feira seguinte.

“Eles não levaram a gente presos, só mandaram a gente se apresentar lá”, esclareceu.

Foram interrogados um de cada vez e o primo que foi à frente saiu depois a “limpar os olhos” e a dizer que tinha sentido “os sinos da Sé tocar todos ao mesmo tempo”, mas negou sempre que o propósito fosse emigrar para França, afirmando iam apenas para Lisboa.

João de Sousa Vicente, agora com 73 anos, disse que quando foi interrogado “o PIDE levantou-se e deu-me um carrolaço [termo regional que designa pancada com a mão no pescoço ou na cabeça] e eu dei uma pancada contra a parede que parecia um coelho”, recorda, lembrando que, na altura, até pensou em “deitar as mãos à varanda e saltar para baixo”, para a rua.

O inquiridor sentou-se, mas João de Sousa Vicente continuou a negar que ia para França. “Ele levanta-se, joga-me uma patada. Desviei-me, mas ficou o retrato da sola da bota nas calças”, disse.

Na época, a maioridade era aos 21 anos e como os três primos eram menores, os pais foram chamados a depor e a situação resolveu-se.

“Depois de feita a tropa, os três embarcámos. Saímos sem problemas”, explicou João de Sousa Vicente, contando que esteve duas vezes em França por pouco tempo e oito anos na Venezuela.

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