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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

24/11/2023 07:30

Eu tinha 20 euros no bolso e a sola das botas rotas e a Pat sugeriu que fossemos jantar e indicou um restaurante caro, isto é, caro para quem só tinha 20 euros no bolso. Ainda por cima era inverno e chovia todos os dias, de modo que eu andava sempre com os pés molhados e frios e tolhidos, situação bastante incómoda que mais tarde resultaria numa gripe do caraças, tão forte que até fiquei de cama por causa da febre. Naquela altura, a minha condição financeira era mesmo miserável, mas, como é óbvio, eu disse logo que sim, vamos jantar.

- Sim, claro, vamos jantar! - Disse eu, entusiasmado.

- A que horas? - Perguntei, ainda mais entusiasmado.

Ela indicou um lugar e uma hora e assim foi.

Conhecíamo-nos apenas há dois dias, eu e a Pat, e estávamos apaixonados, arrebatados, com falta de ar e a cabeça atordoada, a vista sempre enevoada e o estômago apertado e caminhávamos nas nuvens como dois adolescentes na primeira vez do amor, embora eu já tivesse ultrapassado os 50 e ela os 40, e isto foi uma coisa mágica que nos aconteceu apesar da idade - a paixão.

Foi o nosso primeiro jantar e foi num restaurante italiano muito elegante e acolhedor, cheio de turistas e gente fina e lá estava eu enfiado nas botas rotas, com os pés tolhidos, frios, molhados e a roupa puída de tanto uso, as calças e camisola e o casacão de capuz poisado nas costas da cadeira, tudo meio esfarrapado, só com 20 euros na algibeira e um sonho sem medida no coração, pois na composição dos meus sonhos nunca entra dinheiro nem vaidade, graças a Deus, nos meus sonhos só entra luz e esperança e eu estava ali sentado diante de uma mulher linda, distinta, requintada e estava a pensar assim:

Não deixes o sonho morrer.

Era o que eu estava a pensar:

Não deixes este sonho morrer.

E também estava a pensar que devia dizer amo-te.

Era o que eu devia dizer:

- Amo-te.

E ao mesmo tempo uma parte de mim exigia que eu acordasse e dizia-me assim:

- Acorda.

Era o que dizia uma parte de mim:

- Acorda.

A Pat estava maravilhosa, distinta e discreta, com um casaco de pele fino e macio, uma camisa às riscas sóbria, umas calças pretas perfeitas, uns sapatos de saltos altos impecáveis e tocava de forma delicada no brinco da orelha direita com o indicador e o polegar dessa mão enquanto lia o menu e depois sugeriu que partilhássemos uma pizza mediterrânea e uma insalatona.

- Para beber, dois copos de vinho tinto - disse eu.

E assim ficámos a conversar e a beber o vinho enquanto esperávamos pela refeição e a nossa conversa era lenta e contida e cada palavra dita por um era como um golpe de catana a desbravar o universo do outro, pois conhecíamo-nos apenas há dois dias, eu e a Pat, e estávamos apaixonados, arrebatados e agora bebíamos vinho tinto com falta de ar e a cabeça atordoada, num restaurante italiano muito elegante e acolhedor, cheio de turistas e gente fina e tínhamos a vista sempre enevoada e o estômago apertado e bebíamos vinho tinto e caminhávamos nas nuvens como dois adolescentes na primeira vez do amor, ela com passos de aristocrata e eu com trejeitos de vagabundo e isto foi uma coisa mágica que nos aconteceu apesar da idade - a paixão.

A comida tinha ótimo aspeto e estava muito boa, mas ficou quase toda no prato, a pizza e a insalatona, porque o encantamento tira a fome aos enamorados e eles vivem apenas da respiração um do outro e nós rimos por isso, eu e a Pat, quando esta semana fomos jantar naquele restaurante e pedimos exatamente o mesmo que no primeiro dia, uma pizza mediterrânea e uma insalatona e dois copos de vinho tinto também e desta vez, seis anos depois, não ficou nada no prato, comemos tudo com fome e prazer e ainda pedimos uma sobremesa e isto foi, de facto, uma coisa mágica que nos aconteceu apesar da idade - o amor.

Já agora: Da primeira vez, ela pagou. Desta vez, paguei eu.

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