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Artigo de Opinião

Presidente da Delegação Regional da Madeira da Ordem dos Psicólogos Portugueses

3/03/2022 08:00

Todo este percurso, sobretudo na fase em que agora nos encontramos, fez emergir, em todo o caso, um fenómeno que, não remetendo para perturbações psicológicas, está a ser cada vez mais evidente em múltiplos contextos: a forma como muitas pessoas passaram a olhar para si e para o mundo e o que pretendem ou gostariam de fazer na sua vida. Em alguns casos estas dimensões podem até ser classificadas de subclínicas, decorrentes de alguns impulsos pontuais ou até ser passageiras, próprias de uma fase de algum rescaldo ou expetativa de recuperação da normalidade. Mas a verdade é que, em muitas pessoas que não experienciaram necessariamente uma perturbação psicológica ou que não perderam o emprego - circunstância que as obriga a ter um pensamento sobre o imediato - e, portanto, mantiveram alguma estabilidade na sua vida, começaram a surgir novos olhares sobre a vida, o mundo e futuro. Concomitantemente, as insatisfações anteriores e que estavam acomodadas no dia-a-dia ou dormentes no funcionamento tornaram-se mais ativadas e a sua expressão perdeu o filtro.

A pandemia tem uma dimensão psicossocial significativa e transformou-se num elemento ativador de muitos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Desde a consciência e noção de vulnerabilidade, até à forma como percecionamos e nos relacionamos com o tempo, até ao cansaço emocional que nos tira disponibilidade para tolerar coisas que antes tolerávamos quase que automaticamente, passando por reflexões sobre projetos pessoais de vida e de carreira, a vivência de milhares de pessoas tem sido marcada por muitas reflexões sobre si, a vida e o futuro. A que dimensões da vida damos agora mais prioridade? Que velhos desejos e projetos deixaram de estar latentes e agora foram reativados? Porque é sentida uma necessidade de reorientação de carreira, mesmo que um emprego tenha sido mantido? Como é que vivemos agora o tempo livre e o que valorizamos nos locais de trabalho?... Em suma, a magnitude da experiência por que passamos abriu espaço para a necessidade de se descobrir e de renovar quem se é.

Todos estes fenómenos têm sido identificados em vários contextos de intervenção e, independentemente de poder vir a haver uma espécie de novos "loucos anos 20", cuja natureza infelizmente a realidade atual tem mostrado não sabermos qual será, trata-se de vivências que merecem atenção e têm levado as pessoas a realizar mais processos de autoconhecimento e desenvolvimento pessoal, que as permitem ser quem realmente são (ou sempre quiseram ser) e se autodeterminem.

Pelos custos e pelo sofrimento que tem existido, certamente que todos teríamos dispensado tudo o que se tem passado nos últimos dois anos. Mas a realidade foi e está a ser a que é, e o que se tem verificado na vida de muitas pessoas merece ser validado. Nem que seja para que outras pessoas que sentem que se querem conhecer melhor, renovar-se e até mudar possam perceber que essa é uma possibilidade. A boa notícia é que existem psicólogos que podem ser úteis nesse processo. Afinal de contas, a promoção do autoconhecimento, da adaptabilidade e da autodeterminação é a essência da intervenção psicológica.

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