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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

29/09/2023 08:00

Isto durou uma fração de segundo, mas nesse tempo coube o resto do meu pensamento, que, por não ter lei, saltou para a ideia recorrente e repetida de que a falta de dinheiro será para sempre a minha cruz, o meu inferno.

Eu nunca valorizei o dinheiro, porque sempre o tive à medida dos meus desejos, que são desejos acessíveis, desejos baratos, digamos assim, daqueles que se pode adquirir nas feiras de rua ou nas prateleiras das marcas brancas dos supermercados e que servem muito bem para uma pessoa se governar e salvar.

Sempre soube que o dinheiro é o Senhor do mundo, mas andei todos estes anos à procura de outro Senhor a quem servir. Não o encontrei em lado nenhum, devo dizer, pois em toda a parte aonde chego há sempre uma conta para pagar. E também há sempre um ladrão por perto e um agiota e um ricaço e um invejoso e um esbanjador e um desgraçado e um sovina e um troca-tintas e um corrupto e um caloteiro e um grande filho da puta.

Tudo tem um preço e o preço de tudo está sempre a subir.

- Gaja boa! - Pensei.

Antes, eu considerava que o fascínio e a inquietação das pessoas à volta do dinheiro era uma espécie de doença, mas se calhar eu é que estava doente. Um escritor, acho que Joseph Roth, disse que um homem sem rendimentos é como um homem sem sombra, o que, no fundo, quer dizer que um homem sem dinheiro é nada. Eu sou nada. Mas o pior nem sequer é o dinheiro. O pior é a inabilidade e a falta de talento para o obter, bem como a falta de vontade, a preguiça, a cobardia, elementos que, como se sabe, compõem o pavimento da autoestrada para a indigência do ser.

Mas no fundo, lá bem no fundo, como se costuma dizer, eu não acredito em nada disto e insisto em procurar outro Senhor a quem servir.

Por vezes, toca-me o desânimo e a exaustão. Vezes de mais, confesso. Durante longas temporadas, perco a consciência de que a resposta para o mistério está no mundo que me rodeia, muito mais do que em mim próprio. É um pouco como aquela história dos Evangelhos Apócrifos: Racha a madeira e lá estarei. Levanta a pedra e aí me encontrarás. Eu bem sei.

O facto, porém, é que luto contra demónios de várias categorias, demónios inomináveis. Luto contra esses malditos demónios e traio-me vezes sem conta. Fico para trás, ferido de morte, estendido na terra ressequida do meu destino.

Sei que é impossível vencer o mal, seja lá de que género for; sei que o indivíduo será para sempre esmagado pelo coletivo; sei que os coletivos se vão arrasar para sempre uns aos outros; sei que Deus afirmará sempre o seu silêncio e a sua invisibilidade sobre nós e, no entanto, jamais deixará de ser eterno; sei que a vida de qualquer homem será sempre uma longa e bela história que nunca encontra as palavras certas para ser contada; sei até que já escrevi isto mais de mil vezes e tudo ficou na mesma. Porém, acredito com igual vigor no contrário de tudo o que existe e, por isso, também sei que vou morrer feliz.

- Gaja boa! - Pensei.

O pensamento durou apenas uma fração de segundo, o tempo que ela demorou a surgir na esquina da rua, ia eu a dizer que nada e ninguém, em parte alguma e em tempo algum, seja lá quem for, onde for, me é estranho, porque na estranheza das coisas habita uma parte infinita de mim. Uma mulher linda, madura, bem vestida, passo firme e elegante. E, então, reconheci-a. Sim, era a minha mulher.

- Pat, meu amor!

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