O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) condenou uma seguradora a indemnizar uma mulher surda e disléxica que foi atropelada ao atravessar uma avenida em Matosinhos, apesar de concluir que o condutor não teve qualquer culpa no acidente.
O acórdão, datado de 05 de maio e a que a Lusa teve hoje acesso, deu razão à mulher, com 53 anos na data dos factos, e revogou o acórdão da Relação, confirmando a decisão da primeira instância que tinha condenado a seguradora.
Ao contrário da Relação, os juízes conselheiros concluíram que não houve "culpa grave" da mulher, considerando que embora o seu comportamento tenha sido "culposo", isso "não exprime uma negligência grosseira, escandalosa ou intolerável".
"Embora a imprevidência pudesse ter sido evitada com uma maior diligência ou com um maior esforço, é ainda algo de que dizemos ‘isso pode acontecer’, e não já algo de que digamos ‘não se admite que tal aconteça’", refere o acórdão.
O STJ decidiu assim que os factos dados como provados são suficientes para que se sustente que "houve contribuição do risco do veículo segurado pela ré para o acidente, devendo imputar-se-lhe 40% da responsabilidade".
O Tribunal de Matosinhos tinha condenado a seguradora do automobilista envolvido no acidente a pagar à vítima 15.583,83 euros, mas a Relação absolveu-a do pedido de indemnização, considerando que o acidente ficou a dever-se de modo exclusivo ao comportamento "negligente e imprudente" da mulher, porque "viu o veículo a aproximar-se e que não obstante isso tomou a decisão de invadir a faixa de rodagem por onde aquele circulava".
A mulher sustentou que por ser surda não conseguia "ouvir o ruído do motor e do veículo" e por isso "não conseguia estimar a velocidade", ou seja, não tinha capacidade para avaliar corretamente a velocidade e de tomar uma decisão conscienciosa em função desse elemento.
No entanto, os juízes da Relação entenderam que lhe era exigível "maior cuidado na tomada de decisão uma vez que a surdez não a priva de inteligência, raciocínio, experiência de vida, poder de observação e de ajustamento".
O acidente ocorreu em 12 de julho de 2017 a cerca de 45 metros de uma passadeira, quando a mulher saía de um hipermercado e se preparava para atravessar a via para se dirigir ao veículo do seu marido, que se encontrava estacionado do outro lado da faixa de rodagem.
Os factos provados referem que a mulher percorreu cerca de um metro da faixa de rodagem, quando foi colhida por um veículo automóvel e foi projetada para o chão, tendo sofrido ferimentos num ombro, numa anca e num pé.
Lusa