Novamente temos de assistir no palco da nossa sociedade a tantas mentiras que se torna insustentável acreditarmos que somos governados em verdade. Somos governados num enredo de mentiras, que até os melhores historiadores terão dificuldade em decifrar os seus detalhes.
Não sei quem acha razoável recebermos as notícias que têm acontecido, mas culminam num conjunto de mentiras relacionadas com o orçamento de estado e que simbolizam o que está de errado na nossa sociedade. A política não tem polícia, mas tem demasiadas pressões. Estamos habituados a pensar na sociedade como uma pirâmide, com uns poucos no topo a mandar em tudo e eventualmente numa única pessoa. Na verdade, vivemos mais num formato de duas pirâmides, como uma ampulheta.
No conceito de ampulheta social, a pirâmide inferior é a pirâmide típica. Muitas pessoas com pouco em baixo e poucas pessoas com muito em cima. Na pirâmide superior, representa muita outra coisa. Pode representar as empresas e o dinheiro que controlam os políticos, mas também pode representar o ego dos políticos e a profunda necessidade de esconderem as suas falhas. A ardilosa necessidade de manterem-se no poder, escondendo os seus erros e ilegalidades (no mínimo morais).
Vejamos o exemplo da justiça. A justiça tem vários círculos. Profissionais treinados, com longas formações e carreiras, com tempo para analisarem factos, com perspetivas múltiplas sobre os eventos e um claro manual para tomarem decisões. Estes, aceitam que falham. Por todo o seu grupo aceitar que falham, criaram um sistema complexo de vários níveis, para podermos obter recursos, para podermos debater novamente os factos e termos a certeza de que a justiça é feita em verdade e cumprindo a lei.
É sem dúvida o píncaro da aceitação da natureza humana e que, com a humildade necessária, este respeitado grupo profissional mantém um dos principais pilares da sociedade de pé. Aceitando que os seres humanos falham e que é necessário revermos o trabalho uns dos outros para assegurarmos que não houve falhas.
Infelizmente a política encontra-se no extremo oposto. Com a necessidade de controlar a sociedade, tomando decisões rápidas a todo o momento e sem grande controlo. Existem poucos mecanismos para nos proteger dos erros dos políticos, porque criam as suas próprias leis e mantêm uma proteção da justiça que é inaceitável perante os outros cidadãos. Podemos afirmar que é uma proteção necessária, que sem esta proteção como é que será possível governar? Se qualquer pessoa puder iniciar processos contra os políticos e tiverem de suspender os mandatos por essa razão, poderá tornar-se ingovernável o país. Contudo, existem outros caminhos. Maior transparência e responsabilização dos seus atos. Se é possível que quem participa nos reality shows estarem sempre a ser vigiados, porque não existir maior transparência em quem governa o país?
O principal problema da maior transparência é que se assume naturalmente que só é sólida e viável, se tivermos uma sociedade consciente do que é tomar decisões difíceis, aceitar a frustração dos tempos difíceis como as crises económicas, aceitar adiar o prazer e as recompensas para podermos edificar o país. Mas, para isso, precisamos de uma maior educação geral e isso tornará necessariamente uma sociedade mais exigente dos seus políticos. Se formos exigentes com eles, como é que podemos aceitar o que tem acontecido? Recomendo a leitura da reportagem do Público “Madeira, uma espécie de democracia”.
Precisamos de mais transparência e de consequências mais rápidas para quem ostensivamente prevarica. É a única forma de edificarmos a classe política.