Regresso, uma vez mais, ao tema do exercício do poder num Estado de Direito.
Por definição o Estado de Direito parte de um princípio que pode enunciar-se de forma simples: Toda a gente está sujeita à Lei, independentemente do tipo de poder que possam (ou não) ter ou exercer.
Mas se enunciar uma ideia é simples, pô-la em pática pode ser um pouco mais difícil. Por exemplo, como podemos obrigar quem tem o poder de fazer as leis a obedecer-lhes ou a não fazer leis à sua medida?
Devemos a Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu, político, filósofo e escritor francês do século XVIII uma solução que basicamente todas as democracias liberais adotaram, e mesmo 269 anos depois da sua morte, continua a ser a base da quase totalidade dos Estados Ocidentais modernos. Chamou-lhe o Princípio da Separação de Poderes e consiste na divisão em três tipos de poder, executivo, legislativo e judicial, que se limitam e supervisionam mutuamente.
Ao poder Legislativo compete criar leis novas, modificar ou atualizar as existentes e fiscalizar a sua aplicação, dentro de limites impostos por uma constituição escrita ou implícita, ou por um conjunto de leis e interpretações com força semelhante. Nas democracias liberais é constituído por um parlamento ou assembleia de representantes eleitos, por vezes com complemento de uma outra, tal como um senado, uma câmara alta ou equivalente.
Ao Poder Executivo cabe a tarefa de “fazer”, isto é, de governar dentro dos limites impostos pela Lei, sob fiscalização do poder legislativo. É normalmente constituído por um presidente ou primeiro-ministro, que partilha responsabilidades por áreas setoriais com outros membros do governo por si escolhidos.
Ao poder Judicial está reservado o papel de interpretação da lei e de julgar de acordo com as leis e regras constitucionais do país. É constituído por juízas e juízes, normalmente independentes do poder político, a quem cabe a tarefa de defender as cidadãs e cidadãos e de promover a justiça, nomeadamente na resolução de conflitos que lhe sejam apresentados, usando os meios ao seu dispor e aplicando medidas reparadoras ou punitivas quando possível e apropriado.
Esta divisão separa também o poder político do poder judicial. Ambos são necessários e complementares, mas limitam-se mutuamente de modo a garantir o equilíbrio suficiente para prevenir o abuso.
Porém, esse equilíbrio só funciona se os tempos de intervenção forem da mesma ordem de grandeza. É comum ouvirmos falar em “Tempo da Justiça” por oposição a “Tempo da Política”. E são necessariamente diferentes.
A política é voraz, em termos de tempo, precisa de reações rápidas que mostrem que se acompanha e domina o assunto em causa. A justiça precisa de tempo de ponderação para que possa ser justa até porque o pior erro da justiça não é o de deixar crimes sem castigo, mas o de punir quem seja inocente.
No entanto, aquilo a que assistimos por vezes, é ao arrastar de processos que mantém o nome de presumíveis inocentes num banho-maria de lama sem efeito dissuasor de possíveis culpados quando eventuais castigos nunca têm efeito prático.
Aos políticos sob graves suspeitas, relacionadas com o mau uso dos poderes que lhes foram confiados e suportadas por fortes indícios, resta honrar o compromisso ético de não arrastar para o prolongado banho de lama as instituições que juraram defender. Ao afastar-se e devolver a palavra ao povo, evitando agarrar-se a imunidades ou a legitimidades meramente formais, protegem a dignidade do Estado, mas também a das forças partidárias e dos eleitores que representam.
Por fim, ao mostrarem a coragem de adotar essa atitude ética, contribuem para dignificar a imagem do mandato que exerceram e, acima de tudo, a sua própria, sem beliscarem de modo algum a sua presunção de inocência.
Porque mesmo que politicamente, manter a situação se torne insustentável, a presunção de inocência é, juridicamente, inabalável.
Neste aspeto, o Primeiro-Ministro António Costa esteve irrepreensível e estabeleceu um padrão ético exemplar.