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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

12/07/2024 08:00

Volta e meia, a Pat diz que eu sou um homem das cavernas e di-lo em tom de crítica e censura, ora porque não aparo bem o cabelo e muito menos a barba hirsuta, ora porque uso roupa velha e rota, desbotada e com furos de traça, sempre desadequada em qualquer circunstância, até mesmo para ir à praia, diz ela, ora porque falo como um vilhão e dou calinadas no vocabulário e na gramática – muitas vezes de propósito, confesso, só para irritá-la –, ora porque bebo muito, ora porque ressono alto, ora porque debito dez mil palavrões ao expressar a minha opinião sobre determinados assuntos, do amor ao ódio, do horror à comédia, sendo que a torrente de obscenidades aumenta substancialmente quando se trata de temas relacionados com política e governação no mundo, no país e na região, devido à imperiosa necessidade que sinto de clarificar o meu ponto de vista em circuito íntimo e privado, já que em termos públicos não consigo me expressar bem, mais não seja tendo em consideração o risco de ser crucificado, o que é sempre uma grande merda, sobretudo quando não se tem meios para depois sair da cruz.

Puta que pariu!

Durante toda a minha vida tentei seguir o caminho da simplicidade, mas, como é óbvio, este é o mais difícil de trilhar, porque os passos que se dá para trás são sempre em maior número dos que se dá em frente, de modo que agora, aos 57 anos, não sei precisar quantos quilómetros terei já percorrido no território da simplicidade e, às vezes, até suspeito que ainda me encontro aquém da linha de partida, sobretudo quando sonho que ganhei o euromilhões e, por isso, vou ser o homem mais feliz do universo.

Meu Deus, sonhar com dinheiro significa que não andei sequer um centímetro na estrada da simplicidade e de nada me valeram toda a filosofia e as tiradas de despojamento ao longo da vida, algumas verdadeiramente exemplares, digo eu, como a que me fez viver numa palhota no interior de Moçambique durante dois anos com apenas duzentos euros por mês.

Essa foi, de facto, uma das épocas mais simples e primárias da minha existência. Para o bem e para o mal, note-se, pois nunca lutei tanto contra os demónios interiores – e eu tenho dentro de mim um vasto exército de demónios – como naquele tempo. Mas também nunca me satisfiz com tão pouco. De resto, não sei explicar porque fiz aquilo.

Naqueles dias, qualquer réstia de luz elevava a minha alma aos píncaros da eternidade e o jogo de Deus tornava-se momentaneamente fácil de jogar, facílimo, como uma brincadeira de crianças, embora jamais tenha vencido uma partida. Fiquei sempre a perder. Ou melhor, tudo o que ganhei foi apenas saudade, esquecimento e uma enorme tentação de voltar a partir.

– Foste para África brincar aos pobres.

É o que a Pat me diz, às vezes, só para refrear o meu entusiasmo quando conto histórias daquele tempo. E se calhar foi isso mesmo que aconteceu. Eu era um homem das cavernas a brincar aos pobres em África, tal como aqui sou um homem das cavernas a brincar aos ricos, por exemplo quando janto num restaurante fino ou passo duas noites num hotel de cinco estrelas e ando o resto do mês teso.

Enfim...

Seja como for, sonhar com dinheiro é sempre um enorme revés no percurso da simplicidade. São milhares de passos para trás. É como ter o guarda-roupa a abarrotar de peças novinhas em folha, daquelas que mal se usa, e mesmo assim sair de casa para comprar mais duas ou três, num impulso orientado pela vaidade, a estupidez e o inconsolável desejo de felicidade. Estão a ver a cena? É como ter a barriga cheia e comer mais. É como estar bêbado e beber mais. É como ter tudo e querer mais, mais, mais...

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