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Artigo de Opinião

24/04/2021 08:01

Gosto de palavras. Desde que me lembro que gosto de palavras.

Ainda não falava já gostava de palavras. Algumas faziam-me sorrir ou desatar às gargalhadas. Outras deixavam-me curioso. Poucas, contam-me, me deixavam indiferente. Mesmo quando ainda não falava e já gostava de palavras não me lembro de ter medo das palavras. Ficava fascinado por elas como ficava fascinado pelos relâmpagos durante as trovoadas.

Ainda fico.

Pensando bem, acho que o fascínio se deve à beleza matemática do artifício da linguagem. Um número relativamente pequeno de sons poder ser combinado de forma quase ilimitada para que possamos partilhar uma infinidade de conceitos concretos e abstratos, de emoções, de sensações de forma eficaz. Ainda que por vezes nos faltem palavras...

Ainda hoje gosto de as ouvir. De as ler. Aprendi a ler, depressa. E depois aprendi a ler depressa, vorazmente. Devorava livros. Não literalmente, como o Firmim, o rato criado imaginado por Sam Savage, que aprendeu a ler enquanto devorava livros. Mas também um pouco como Firmim, aprendi a saborear os livros, acho-os deliciosos. Uns mais do que outros. Livremente, tal como as palavras.

Liberdade.

É uma das minhas palavras favoritas. Tenho-a presente desde muito pequeno. Talvez porque, felizmente, estava na moda quando comecei a tomar consciência de mim mesmo.

Nasci quatro anos antes da madrugada que amanhã comemoramos. Tenho por isso uma memória algo difusa desses tempos, mas simultaneamente muito presente de algumas das emoções. Recordo a alegria nos rostos de muita gente, a desconfiança noutros, por vezes alguma tensão no ar, mais ou menos latente, mais ou menos patente.

Lembro-me das ruas que se enchiam de gente tantas vezes, que quase parecia que acontecia espontaneamente. E da paixão. Tudo era à flor da pele, as intervenções apaixonadas, as conversas longas. Parecia que, de repente, tinha explodido uma bomba de palavras. Toda a gente queria falar com toda a gente, toda a gente se queria fazer ouvir e havia muita gente disponível para ouvir.

Desde então associo sempre Liberdade à Palavra. Eu tenho a sorte de ter crescido sem medo das palavras. Mas tenho medo da falta delas. Não pode haver Liberdade com palavras presas e a pior prisão é aquela a que as submetemos na nossa própria garganta. Quando a paixão fica presa na garganta, esmorece e transforma-se em medo.

O poema de Sophia de Mello Breyner Andresen que escolhi para abrir a coluna de hoje é uma das mais belas odes à Liberdade que conheço, materializada nesse amanhecer das palavras depois de uma longa noite escura.

No entanto o dia inteiro e limpo começa a nublar. Começa a parecer normal haver gente que, em nome de uma sua suposta liberdade de expressão, almeja tirar direitos e liberdades a outros. Sei de cada vez mais gente cujas palavras são policiadas, quando o "conselho amigo" é o de que se calem, em vez de que falem e se façam ouvir e o local de trabalho começa a parecer-se com uma ala do Panótico de Bentham.

Amanhã comemoro e, nem que seja em casa, vou cantar bem alto os parabéns a Abril.

Recuso-me a ficar à espera de outra madrugada. É que eu gosto muito da liberdade das palavras...

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