A letra que identifica a minha amiga G tem apenas a função de cumprir a forma discreta de ser daquela a quem este texto se destina.
Uma forma discreta que é apenas verdade à superfície. No fundo, na concretização da vida verdadeira, a minha amiga G não passa de forma discreta por nada. É daquelas pessoas de vida intensa, de limites profundos, de paixões e do seu contrário.
A minha amiga G não é discreta nos afetos, na atenção que dedica aos outros, na entrega que põe em tudo.
Disse-me, por estes dias, que eu, que passo a vida a ler e a escrever, nunca lhe tinha dedicado uma linha. E realmente achei injusto que assim fosse, porque a minha amiga tem estado tão presente na minha vida que não se pode fazer ausente numa parte tão essencial do que sou.
Este Natal, a G ofereceu-me um livro dedicado "a todos os que se perdem". Porque, na sua sabedoria, ela sabe o quão perdida estou. Mesmo discretamente, ela sabe e tenta sempre indicar-me um caminho ou vários.
Naquela forma serena de ser, ela não tem dúvidas antes de entrar na tempestade com aqueles que ama. E a G ama profundamente os amigos, a família. Ama tudo com uma intensidade que só os discretos sabem praticar, porque não o fazem como um movimento exterior, uma coisa para ser vista, mas fazem-no por dentro do que é significativo e concreto. Dentro desse invisível que só o coração sabe descortinar, entender e ver.
O livro é 'O Grande Panda e o Pequeno Dragão´, de James Norbvury. E é curioso que a ordem de grandeza dos adjetivos não define as personagens. O Grande Panda e o Pequeno Dragão vão oscilando de grandeza e pequenez, porque são esses dois tamanhos, na sua existência simultânea, que implicam uma humanidade e uma sabedoria plenas.
Só podemos viver se formos, à vez, um Grande Panda e um Pequeno Dragão. A nossa verdade mais funda está em sermos pequenos e grandes. A minha amiga G sabe que assim é. E faz-se ela mesma pequena e grande para amparar o mundo e para amparar os Pandas e os Dragões que caminham sobre ele.
Eu e a minha amiga G já fomos panda e dragão, vamos sendo as duas formas por dentro dos dias e da vida. E somos um e outro com a mesma intensidade das coisas que não se podem viver pela metade.
Querida amiga, já foram tantas as viagens, tantas as vidas, tanta a tão grande a tua presença.
Rimos, choramos, fechamos casas e abrimos outras. Corremos junto ao mar, lemos em voz alta. Partilhamos música e silêncio.
Tu sabes todos os tamanhos da minha dor e eu sei o tamanho imenso da tua generosidade. Sei também o tamanho imenso de todas as pessoas que trouxeste contigo. Sejam elas ainda pequenos dragões ou grandes pandas. É porque, sabes, há uma coisa que une pandas e dragões: os dois são raros.
Sei por isso e sobretudo o tamanho desta amizade. Uma amizade a ocupar todo o espaço entre esta respiração de hoje e o por vir de amanhã. Sei de cor(ação) que quero guardar esta história para sempre. E este texto pertence-te por inteiro. Obrigada!
Raquel Gonçalves escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas