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Artigo de Opinião

26/04/2023 08:00

Atribui-se a Júlio César o desabafo de que "nos confins da Ibéria há um povo que não se governa nem se deixa governar". Ora, eu discordo, mesmo não tendo legitimação académica, ou sequer intelectual, para o fazer. Que este povo aqui nos confins da Ibéria plantado não se governa é, manifestamente, um engano. Uma falha de interpretação, talvez, uma vez que não falta, no seio deste castiço povo, quem se governe primorosamente. Governa-se com o subsidiozinho, governa-se com a baixazinha, governa-se com o direito ao trabalho alheio, nos serviços que se dizem, e exigem, gratuitos. É uma estratégia natural, perfeitamente legítima e estimável, de poupança de energia. Porque é que o leão se há-de extenuar com a trabalhosa perseguição a uma presa, se se pode limitar a afugentar a chita da presa que esta acabou de matar? É certo que a presa da chita não enche as medidas ao leão, mas ao menos apenas exige que este ruja um pouco, reclame, faça peito, para cravar a parca refeição de forma quase gratuita. Governa-se como um lusitano.

No que concerne a deixar-se governar, esse tal povo dos confins da Ibéria, também me parece ser pouco correcto afirmá-lo. Desde que lhe seja permitido governar-se, este povo aceita que o governem sobejamente. Eu arrisco presumir que, quando negoceia com o candidato a governante a severidade da opressão admitida, o eleitor lusitano concebe a governação atingindo apenas o vizinho, nunca o próprio — e aceita-o, desde que se possa governar. Afinal, o vizinho não é mais do que uma chita, arriscando a exaustão para comer por meios próprios, uma extravagância que sugere uma qualquer falência do foro psiquiátrico.

Sendo assim, volto àquela minha intenção inicial de fazer a mui necessária e justíssima distinção entre o Estado Novo e o Actual Estado de Coisas. Se no anterior o Estado comandava a economia por via de grandes empresas nacionais na mão das famílias endinheiradas a quem, em troca, protegia os monopólios, o Actual comanda a economia por via de omnipotentes monopólios de que as empresas privadas dependem para se governarem. Se, de 1932 a 1974, o regime ditatorial produziu leis em excesso numa sociedade por si organizada em gavetas corporativistas, de ’74 em frente, o democrático regime produziu leis a rodos numa sociedade onde os grupos de pressão se digladiam, das gavetas corporativistas, pelos favores do Estado. No Estado Novo impunha-se a União Nacional, partido único. No Actual Estado cultivam-se linhas vermelhas, papões e a dependência do Estado, de forma a manter um único partido, banhado da legitimidade republicana, no poder. No anterior comia-se o que calhava, no actual crava-se o que se pode. Crava-se o contribuinte.

No fundo, ao valoroso e resistente lusitano nos confins da Ibéria entrincheirado, não interessa o modelo de governo. Afinal, não quer fazer mais do que a sua natureza dita: governar-se.

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