A pergunta faz-nos esboçar um sorriso triste, pois, da nossa maturidade já sem ilusões, vemos a inocência de quem crê habitar um tempo bom, num mundo que vem caminhando rumo à harmonia e entendimento. Um tempo em que os humanos já terão evoluído o suficiente para se afastarem de ódios, de lutas pelo domínio de territórios ou subjugação de povos. Vemos um inocente convencido que as atrocidades ficaram no passado e são apenas tema de estudo para historiadores ou para reprodução fictícia em livros e filmes, onde os heróis não morrem, os vilões são punidos e o bem vence de forma clara. Que bom seria se fosse mesmo assim!
Que lhe terá respondido a mãe? Terá ela tido a coragem de o desencantar e matar a candura infantil, dizendo-lhe que, na verdade, as guerras nunca acabaram e que o Homem continua a ser movido mais por pulsões primárias e egoístas, do que pela razão e pelos valores, que dizemos, humanitários. As guerras foram e são permanentes. Nem todas têm direito a horas de transmissão televisiva e por isso as ignoramos, assim como esquecemos as que se prolongam no tempo e, de tal forma a elas nos habituamos, que se nos tornam indiferentes. E no entanto, destroem, matam e causam sofrimento para além do suportável para quem as sofre.
Esta assusta-nos particularmente, por estar aqui ao lado e por temermos que se globalize, como acontece com tudo o que hoje temos; porque, ainda que pressentindo que as bombas não nos destruirão as casas, alguns efeitos se farão sentir e trarão instabilidade e dificuldades ao nosso dia a dia. Assusta-nos também porque será mais um golpe no equilíbrio natural do planeta já tão ameaçado.
Dói-nos ver famílias em debandada, mulheres arrastando malas ou sacos com os poucos pertences que as forças lhes permitem, para salvar o mais essencial: a vida, a sua e a dos seus filhos pequenos. Muitas estarão devastadas por deixarem para trás os filhos jovens e os companheiros, recrutados para enfrentar uma luta que não previram e para a qual nem estão preparados. Quantos jamais se encontrarão?
As últimas guerras europeias deixaram um rasto de horror tão grande que todos quisemos acreditar que nunca mais tal se repetiria e, no entanto, as notícias que agora nos chegam, despertam o fantasma do terror. Assistimos, perplexos, como um homem, fechado num gabinete, rodeado por uma coleção de telefones de formato antiquado, emite ameaças e ordens de destruição sem que haja hipótese de o travar, porque o confronto poderá resultar em algo tão avassalador que tudo destrua.
Nas televisões, engalfinha-se outra guerra, a das audiências. Claro que quero estar informada, mas confesso que me sinto nauseada quando, nos intervalos, os ouço ufanarem-se da exibição do sofrimento alheio, anunciando empolgados, como se de um evento desportivo ou de uma qualquer comemoração festiva se tratasse: — Guerra na Europa! Siga tudo em direto, aqui na sua XXX! Mudo de canal.
Mas não mudo o cenário e as imagens da guerra e do medo permanecem. A insegurança alastra e os vários governos apressam-se a programar investimentos bélicos que, crentes na improbabilidade de uma guerra global, haviam descurado nas últimas décadas. E assim nos preparamos para defender-nos; assim nos preparamos para aceitar outra guerra, e outra, e outra. Até quando?