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Artigo de Opinião

30/01/2021 09:20

Até por ser madeirense, se não fosse por ter mãe do continente (sou mestiço!), teria ouvido o meu nome ser sempre pronunciado com a sonoridade madeirense, pelo que o pronunciar do meu nome por um lisboeta, por exemplo, constituiria sempre uma micro-agressão. Nunca acertaria na minha ideia de como o meu nome é pronunciado. Além disso, já vivi no Reino Unido e vivo agora na Alemanha. Alguém imagina um nativo de qualquer destes países, sem contacto algum com o português, ou língua parecida, a pronunciar Gonçalo correctamente? Garanto que nunca ouvi um.

Não quero, com toda esta lengalenga que aqui pespeguei ao leitor, dizer que não se faça um esforço por pronunciar correctamente os nomes das pessoas. É de boa cortesia tentar, e mostra interesse no outro. Eu não faria o que fazem muitos chineses, por exemplo, que adoptam nomes ocidentais para nos facilitar a vida. Eu insisto — tenho um lado sádico... — em aplicar tortura leve a quem diz o meu nome: "Come on, it’s just a long nasal syllable! No, it’s not Gó-nn". O anglófono só se aproxima do som nasal quando lê o n, e só o n — e não chega lá.

Serve este palavreado todo de ilustração ao meu queixume do dia: a falta de capacidade de se pôr nos sapatos do outro que hoje por aí grassa. Desde a vizinha de baixo que, sozinha, grita com ninguém, ao sacripanta que me agride só porque vota no partido errado, tudo é razão para auto-comiseração e raiva defensiva. O outro é mau e eu sou uma vítima — e que vítima sofredora!

O fosso de que todos se queixam — culpa dos outros, claro! —, que fende a actual sociedade cada vez mais, alimenta-se desta incapacidade de ocupar a soca alheia e dar uma olhada através da sua perspectiva.

Na roda viva de uma cultura de cancelamentos, inclusivamente alguns carregados do mais abjecto anacronismo, tendo como alvo figuras e acontecimentos históricos, em contextos culturais bastante diferentes dos actuais, outros culpados do mesmíssimo pecado com que acusam o cancelado, será sempre uma boa ideia por-mo-nos no lugar do outro. Compreender o que vê e como o entende. Talvez assim seja mais fácil convencê-los a ver as coisas do nosso lado, sem cancelamento.

Gonçalo Taipa Teixeira escreve

ao sábado, de 4 em 4 semanas

taipa.teixeira@gmail.com

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