Já parece sina, isto de batermos de frente contra qualquer coisa quando pensamos que temos caminho para andar.
Quando estamos prestes a dar a volta ao muro, parece que o muro cresce. E o que eram uns centímetros, são agora mais uns metros.
Mas o povo aguenta. Ora se aguenta!
A nossa vivência política dos últimos dois anos tem qualquer coisa de estranho. Oferece resistência sempre que promete flexibilidade. E puxa-nos para baixo sempre que pensamos que é hora de seguir em frente.
Na verdade, experimentámos este ciclo com a chegada da pandemia, em 2020. Houve muito trabalho para recuperar a economia e, em 2023, parecia que estava tudo em velocidade de cruzeiro.
Foi aí que a governação decidiu relaxar. Em vésperas de eleições que pareciam ganhas, o melhor era deixar passar o tempo para não criar problemas. Estávamos aí por abril ou maio do ano passado quando os decisores deixaram de decidir.
Daí para cá foram feitos os mínimos por dificuldades políticas que se entendem, mas que criam graves problemas aos cidadãos.
Mas o povo aguenta. Ora se aguenta!
E, agora, um partido cumpre a ameaça e atira uma moção de censura para deitar abaixo o Governo eleito em maio deste ano.
Não se contesta a legitimidade dos partidos em deitar mão das ferramentas que têm ao seu alcance. É assim a democracia.
Mas duvida-se da eficácia desse instrumento nesta altura para qualquer outro efeito que não o do mero interesse partidário.
A carta está lançada, o Poder e a Oposição estão entrincheirados, cada um para seu lado.
O povo está no meio, baralhado, à espreita para ver o que vai acontecer.
Mas o Povo aguenta. Ora se aguenta!
A estabilidade política é apenas um trunfo para baralhar o jogo quando dá jeito. Pelo que se vê, para alguns deu jeito agora. Então foi só encontrar mais um momento em que o Governo se pôs a jeito e atirar a carta com toda a força e contentamento para cima da mesa do Parlamento.
Foi como naqueles jogos familiares de cassino, em que se bate com a mão na mesa depois de jogar a menina de ouros para cima de um nove de paus e um às de espadas. Três pontos de uma vez!
Para esses jogadores da política doméstica, pouco importa se há Orçamento, se voltamos a parar mais uns largos meses, se voltam o Governo de gestão e os duodécimos.
Pouco importa se as condições políticas se alteram ou se fica quase tudo como está, com ou sem eleições. O importante é abanar o jogo. É baralhar e dar de novo na esperança de que fique tudo igual.
E lá vamos a votos outra vez, provavelmente em janeiro. Serão as terceiras eleições para a Assembleia regional em menos de ano e meio.
Claro que vai haver consequências, que as empresas vão sentir, que os mercados vão notar e que o povo vai sofrer.
Mas o povo aguenta. Ora se aguenta!
Entretanto, assistimos a uma realidade a dois ritmos.
Temos a Madeira política e politizada a esfregar as mãos com elementos novos a toda a hora, com demissões, reuniões, decisões e outras complicações. A agenda dos partidos volta a estar em modo frenético de campanha. Os deputados guardam as gravatas, usam sapatilhas e trocam o plenário pelo balcão das tascas. Durante meses, alguns quase se confundem com pessoas como as outras pessoas.
E temos o resto da sociedade, que continua à espreita para ver o que acontece. E o pior é que não se espera que aconteça algo de verdadeiramente novo para além de mais um intervalo na governação da Madeira.
Dirão alguns: e qual é a pressa? O povo?
Mas o povo aguenta. Ora se aguenta!
No meio desta certeza dos políticos, talvez seja importante perceber a dimensão do estrago que certos números causam na vida das pessoas. E, sobretudo, tentar compreender a frustração que reina para lá dos grupos de militantes. Talvez aí percebam dois aspetos importantes: a desvalorização da política e o desinteresse dos cidadãos.
Talvez aí concluam que este afastamento mostra que o povo já não aguenta.
O povo está é farto desta tormenta!