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Artigo de Opinião

17/04/2024 08:00

Ofereceram-me recentemente um pequeno livro vermelho intitulado “Sobre a ganância, o amor e outros materiais de construção” que reúne em si um conjunto de textos sobre “o problema da habitação” escritos entre 1945 e 1973 por Francisco Pires Keil do Amaral. Ao imergir nas reflexões do arquiteto Keil do Amaral sobre o habitar e a habitação, fui confrontado com a assustadora realidade de que as questões enfrentadas há várias décadas continuam a assombrar o presente. 1. Crescimentos, desfasamentos e ritmos assíncronos

As décadas recentes em Portugal testemunharam um desequilíbrio crescente entre a oferta e a procura de habitações. Nos últimos 50 anos, enquanto a população portuguesa aumentou em cerca de 20%. Dados do INE corroboram demonstram que entre 1970 e 2020, a taxa de crescimento populacional anual média foi de 0,3%, enquanto o número de construções não acompanhou esse ritmo, resultando num desfasamento preocupante, andamos sempre atrás do prejuízo.

2. O direito à habitação como um negócio

Os preços das construções e dos negócios imobiliários dispararam nas últimas décadas. Segundo o Eurostat, entre 2009 e 2019, os preços das casas em Portugal aumentaram mais de 40%, tornando a habitação inacessível para muitos portugueses. Essa subida desenfreada de preços transformou o setor imobiliário numa arena de especulação financeira, onde a habitação deixou de ser vista como um direito básico, consagrado na constituição, mas sim como uma mercadoria (altamente) lucrativa. A evolução da política pública da habitação tem sido marcada por estagnações e inconsistências. As medidas que têm sido implementadas analisam as pessoas como uma equação matemática e esquecem-se que as gerações mudam, as dinâmicas mudam, os ritmos de vida e as necessidades de habitar são outras, logo a habitação tem também que ser outra.

3. Modos e modelos de habitar

Continuamos a construir com regras desenquadradas, sem considerar as necessidades contemporâneas. O problema nunca foi a existência de um regulamento que estabeleça as condições mínimas, o problema é, e ao que tudo indica continuará a ser, uma híper-funcionalização e rentabilização do espaço que teima em produzir o território contemporâneo. A ocupação do solo é implacavelmente comandada por rígidos e insuficientes princípios de economia de espaços. Deixaram de contar a salubridade geral, a boa exposição solar e aos ventos dominantes, às árvores e às vistas. A equação é simples, conta apenas a área e número de pisos e claro o custo do terreno por m2, custo esse que aumenta diariamente e gerou a típica ginástica de aproveitamento de espaços. Queremos viver em medidas mínimas? O que é isto de existência mínima? Repensamos as novas dinâmicas do habitar? Repensamos as nossas deslocações não só dentro das habitações como entre os espaços que habitamos?

Não basta apenas remediar a escassez habitacional, é necessário abordar as causas subjacentes e criar condições propícias para um futuro sustentável que pondere os novos paradigmas do habitar no século XXI.

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