O mês do aroma mais doce. Dezembro cheira a alegria, paz e amor. É o das mantinhas quentinhas com o pinheiro iluminado e lapinha a cheirar a pero e tangerina.
Os ensaios das romagens e demais cantorias, as missas do parto, da “nossa Senhora, oh Maria, Senhora da Conceição”, da carne de vinho e alhos, canja quente até escaldar a língua e dos licores.
Há muitos anos, mesmo, que a minha casa não se enche de sabores, a vida atual, o quotidiano, uma falta de esperança e uma âncora parece que pressionam a uma vivência no passado, deixando os aromas circunscritos às padarias e pastelarias onde se compra tudo, já pronto.
Dêmos um salto a 1986, são 14 horas e os tabuleiros rasos, pretos, de metal estão já untados prontos a receber a massa das broas, de mel e brancas, em forma de bolinhas, prontas a ser calcadas e metidas no forno a lenha de onde, todas as semanas, saía o pão e ainda antes o brindeiro fumegante hidratado de manteiga ILMA, do embrulho cinza metalizado e da paisagem do Funchal. Um dos últimos resquícios da economia industrial da Madeira que também já cá não está. Cresce-me a água na boca a lembrança do brindeiro quente, iguaria que suponho nunca mais vir a sentir.
Enfim... de água na boca passemos às broas. Após colocadas nos tabuleiros e bem rapado o alguidar de barro onde estava a massa passava-se à pré-lavagem deste: com o indicador direito, previamente lavado com um bocado de sabão azul, rapava-se no sentido oposto aos ponteiros do relógio e ingeria-se com gosto, a massa crua, para logo ouvir que iria ficar com soluços ou reles, porque, alegadamente, quem comia massa crua ficava mau. Devo ser terrível!
As broas de mel eram as mais produzidas, mas havia também, julgo que praticamente extintas, porque nunca mais encontrei, umas de massa branca, simplesmente assim chamadas: brancas, que depois de cozidas ficavam duras. Eram simples, por isso se calhar, com o advento de novas receitas e sua acessibilidade deixaram de se produzir, eram as minhas preferidas, nunca mais as encontrei, se calhar outro produto que não voltará a ter contacto com as minhas papilas gustativas.
Fazia-se, também o Bolo de Mel (merece as maiúsculas), mas um bolo de mel húmido, quase molhado a escorrer mel de cana, frutas e um cheiro... ai um cheiro que inundava a casa toda do palheiro ao sótão.
Após a conclusão dos doces outra tarefa não menos agradável surgia: a distribuição: um bolo laranja e umas broas para o vizinho Zé Pinheiro, um saco de doces para o ainda mais doce bisavô João Ferreira da volta dos Canhas, que nos recebia de cabelo encaracolado cor da neve e olhos cor do mar.
_C’maé, c´maé o tê nôme?
_Sara Rubina, avozinho.
_Sara? Sara? Pisaste-te? Vai sarar.
E assim brincava o meu avozinho (bisavô, na verdade), enquanto dava uma trinca no bolo doce a sorrir com os olhos, debruçado pela vida, apoiado pelo bordão.
A todos um doce e Feliz Natal.