Mas bem sabemos que não é assim que funciona. Tudo à nossa volta, é desenhado pelo poder económico e para o poder económico e essa realidade impõe-se e aperfeiçoa-se. Os paraísos fiscais são um bom exemplo disso. Permitindo a fuga dos poderosos aos impostos, criando uma situação de concorrência desleal por parte de algumas empresas e indivíduos, carregando os Estados de impostos a quem não pode fugir, que é a imensa maioria de cidadãos e as pequenas e médias empresas, que acabam a pagar por todos.
Todas as realidades offshore, além dos benefícios fiscais que oferecem têm a particularidade de ser pouco transparentes e fiscalizadas, o que as torna extremamente vulneráveis ao planeamento fiscal agressivo, à fraude e evasão fiscais e lavagem de capitais. Os "Lux Leaks", "Swiss Leaks", "Football Leaks", os "Panama Papers", os "Paradise Papers" e os"Pandora Papers", são exemplo disso.
Também nós sob o sonho de transformarmos a Madeira na Singapura do Atlântico criamos a nossa praça financeira através da Zona Franca e do Centro Internacional de Negócios. Só que as empresas vieram apenas para usufruir dos benefícios fiscais. A esperada indústria nunca se concretizou e o emprego gerado foi muito diminuto.
Foi como colocar fósforos nas mãos de crianças. Uma catadupa de trapalhadas, tais como o ajuste direto atribuído ilegalmente à empresa concessionária.
A matéria torna-se politicamente sensível porque, apesar de ter falhado numa boa parte no propósito para qual foi criado, o offshore da Madeira rende, atualmente, entre 100 e 200 milhões de euros aos cofres da ilha.
Se bem que nem sempre foi assim. Durante muito anos, a maioria das empresas estiveram isentas de IRC e funcionavam num único prédio no Funchal onde chegaram a estar instaladas mais de mil empresas, numa pequena sala (Suite 605). Pois a maior parte destas empresas não têm nem produção, nem empregados na Madeira, são puros fantasmas. Razão pela qual o nosso Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) tem sido notícia nos últimos tempos.
Portugal terá prestado auxílio ilegal às empresas instaladas na zona franca da Madeira, concedendo-lhes o acesso ao regime fiscal mais favorável da zona, sem que cumprissem as condições para tal. Em causa, estão empresas que não criararam postos de trabalho na Madeira e os lucros aos quais se poderia aplicar a redução do IRC, não se limitaram aos lucros relacionados com "actividades efectiva e materialmente realizadas na Madeira". Embora, em abono da verdade, todos sabemos, que se fosse para cumprir escrupulosamente com o disposto pela União Europeia, não teriam conseguido angariar qualquer empresa estrangeira. O mundo dos offshores é altamente competitivo e existem outras praças financeiras mais bem localizadas do ponto de vista geográfico e económico, a oferecer condições imbatíveis em relação ao nosso território ultraperiférico, que nos coloca numa situação de clara desvantagem. Foi como dar nozes a quem não tem dentes.
E o resultado está à vista: o Estado português terá de recuperar os benefícios fiscais concedidos de forma ilegal a cerca de 300 empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira (ZFM), num valor superior a 800 milhões de euros, mais juros. Se estes valores algum dia forem cobrados com sucesso, o que duvido, ao menos nem tudo fica perdido...