Gosto de acreditar que a vida é um caminho, um caminho com curvas, por vezes desvios abruptos, por vezes suaves. Lisboa é a cidade onde nasci e vivi várias décadas. A Madeira é a terra que me adotou e onde vivi os últimos anos. É uma terra intensa, no seu mar, nas serras e quase como que por osmose, nas suas pessoas. Regresso com um calor no coração, pelas pessoas que pedem para voltar, mas também por aquelas que me receberam em Lisboa. Este é um tributo a elas.
Estes meses tive a oportunidade de trabalhar na UPIA, uma unidade integrada para adolescentes. Trabalhei no seu hospital de dia e posso dizer que foi uma experiência de trabalho única. Depois de terminarmos a nossa formação base, é muito raro podermos realizar estágios, formações adicionais a tempo inteiro e estes meses foram essa oportunidade. Um Hospital de Dia da Psiquiatria é uma estrutura em que os doentes vão todos os dias ao hospital, mas dormem em casa. Os tratamentos são várias formas de terapia que, neste caso, inclui educação para a saúde, várias formas de aprender a gerir emoções, através de diálogos e atividades, terapia ocupacional, musicoterapia, terapia de grupo e familiar. Poucos doentes para um grupo de técnicos a meio tempo entre o Hospital de Dia e outras atividades hospitalares. Neste caso em particular eram no máximo 8 jovens e um grupo variado de técnicos. Um dos problemas mais comuns destes jovens é a manutenção de pensamentos de morte, mesmo depois de vários internamentos e terapias habituais, quer farmacológicas, quer psicológicas.
Este tipo de tratamentos, é a forma de dar uma segunda oportunidade para se ultrapassarem os momentos da infância e adolescência que provocaram danos à nossa sobrevivência emocional. A maior parte destes jovens passaram por episódios ou mesmo anos de vários tipos de abusos e culminaram numa dificuldade enorme em gerirem as suas emoções e sofrimento. Ficam como se não tivessem pele e são assaltados por todo o tipo de emoções, com uma intensidade e velocidade incontroláveis.
É em estruturas como estas, formas intensivas de terapia que podem ter uma verdadeira oportunidade de reconstruirem o seu interior e a forma como lidam com o mundo exterior. É na capacidade de terapia, mas também na capacidade de recebermos as pessoas como família, que podemos reconstruir a sua visão de família e poderem voltar a confiar no mundo. Quando alguém tem um ataque de raiva, choro ou outras emoções intensas e destruidoras, é a capacidade dos técnicos de acolherem e conseguirem gerir estas emoções avassaladoras, que permite aos poucos que a pessoa sinta que é possível sentir e expressar todas estas emoções sem que as pessoas que estão do outro lado percam o controlo ou desapareçam. A capacidade de tolerar as emoções dos outros, de as transformar e dar um significado, permite aos poucos que essa capacidade seja absorvida, internalizada. E se é bom ver uma equipa unida e competente, melhor ainda é ser bem recebido nessa equipa e de ter a oportunidade de trabalhar intensamente com estes jovens, em conjunto com a experiência profunda desta equipa. Ver a recuperação com o passar do tempo, é uma experiência inesquecível e tocante. Aprendemos com uns e com outros, e foi uma experiência profundamente enriquecedora e gratificante. O meu profundo obrigado à UPIA e aos jovens que conheci.
Estou de regresso a viver na Madeira, não para a mudar, mas para viver e ajudar quem me procurar, na melhor das minhas capacidades, sonhando e acreditando.