Não sei o que são 50 anos. Do tempo e das coisas só conhecemos o que vivemos. Sou filho da liberdade e da democracia, mas mais que isso, sou filho da autonomia. Se é verdade que nasci com a liberdade e a democracia, também é verdade que compreendo melhor o efeito da autonomia em mim, na minha família, nos meus amigos mais próximos e na evolução da sociedade madeirense.
Nascido depois do 25 de abril, ainda cheguei a tempo de viver na Madeira do antes do 25 de abril. Com as primeiras memórias do início dos anos 80, conheço a madeira da estrada regional em calçada, da televisão a preto e branco que arrancava pelas 19h, das dificuldades sociais que faziam com que muitos madeirenses tivessem vergonha de olhar de frente outros madeirenses. Senti isso, mais que uma vez. Sei o que foi chegar ao Funchal aos 12 anos, às segundas-feiras para estudar, acordando às 4:30 da manhã para ter aulas às 8h e voltar a casa no sábado pelas 11h. Sei também que o filho mais novo dos meus pais fez o 12º ano ao pé de casa com melhores condições que eu tive no Funchal, 14 anos antes.
Nasci na Madeira pós-25 de abril. Vivi a Madeira pré-25 de abril. Senti as agruras do vale à montanha de um povo estoico e valente que resistiu mais que o seu corpo e a sua alma aguentavam. Um povo que, em poucos anos, se libertou da canga e passou a ver o mundo e a europa de igual para igual. Um povo português que se sentia enteado de Portugal! Um povo que sonhava com desenvolvimento social, educação e igualdade de oportunidades. E esse povo escolheu. Escolheu aqueles que com engenho e arte reivindicaram o que era seu por direito e que durante séculos lhe fora roubado. A escolha foi sempre livre e democrática, pois a escolha foi feita pela bandeira da autonomia. Uma bandeira que continua incompreendida por muita da classe política nacional.
É mais que tempo! Com 50 anos já é tempo da democracia compreender a autonomia. Não falo de aceitar, nem de tolerar. Falo de compreender. É tempo da democracia compreender que a autonomia reforça essa mesma democracia. Que a autonomia dá asas e mundo ao retângulo continental. Que a autonomia faz justiça social a quem vive rodeado por água a quilómetros de distância do continente europeu. Que a Madeira e os Açores fazem Portugal maior no Atlântico, no mundo, mas acima de tudo fazem Portugal maior em cada português.
Celebrar abril, celebrar os 50 anos da revolução dos cravos, não pode ser um ritual saudosista de egos, vaidades e falsas propriedades. Celebrar abril, é reconhecer a diferença que engrandece e pugnar sempre por mais justiça social. A justiça social feita da equidade que iguala oportunidades e esbate as diferenças. Celebrar abril não tem dono e é de todos. Mas celebrar abril exige que se compreenda as realidades insulares e ultraperiféricas de um país descontinuado. Exige perceber que essa descontinuidade carece de respostas diferentes, que têm mais custos e são um direito de quem aí reside.
Celebrar abril também é celebrar a autonomia! Enquanto assim não for é porque “falta cumprir-se Portugal”!