No início da semana passada, o Instituto Nacional de Estatística (INE) e a Direção Regional de Estatística da Madeira (DREM) divulgaram os dados da operação de 2023 do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), que se destina a estudar os fenómenos da pobreza e desigualdade. O tema continua muito presente na sociedade portuguesa e é amiúde alvo de debates na comunicação social, com os principais especialistas a se mostrarem preocupados com os altos de níveis de pobreza e exclusão social no nosso País, onde 2,1 milhões de pessoas se encontram nessa condição.
Na Região Autónoma da Madeira, os dados mais recentes mostraram uma evolução favorável. O indicador mais relevante e que o INE usa sempre para intitular o seu destaque é a taxa de risco de pobreza, baseada nos rendimentos de 2022, e que na RAM recuou de 25,9% em 2021 para 24,8% em 2022. No País, a evolução foi contrária, com a taxa de risco de pobreza a crescer de 16,4% em 2021 para 17,0% em 2022.
Assim, verifica-se que a RAM converge para a média nacional e deixámos de ser a região do País mais penalizada neste indicador, ocupando os Açores essa oposição. Aliás, em nenhum indicador do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento somos agora a pior Região.
O valor da taxa de risco de pobreza depende do referencial que é tomado. Os valores acima baseiam-se numa linha de pobreza nacional, que é, portanto, uma média do País. Se o inquérito fosse único à escala europeia e se existisse uma linha de pobreza europeia, Portugal e a RAM teriam taxas de risco de pobreza maiores.
Da mesma forma, é possível avaliar a taxa de risco de pobreza considerando uma linha de pobreza regional, considerando apenas o universo da Região. O INE e a DREM referem as vantagens desta variante, nomeadamente a de refletir diferentes condições socioeconómicas, nomeadamente, diferentes níveis de custo de vida. Segundo este critério, a Região regista uma taxa de risco de pobreza de 19,7%, igual à do Algarve e menor que os valores da Área Metropolitana de Lisboa e da RA Açores.
Por sua vez, a taxa de privação material e social severa, que traduz os casos mais graves de pobreza, regista em 2023, o valor mais baixo de sempre na Região, 6,3%. São três anos seguidos em que este indicador veio a decrescer sucessivamente, e em dois anos foram 6 600 pessoas que saíram desta condição. Note-se que o mesmo tem a vantagem de resultar da constatação efetiva da existência de pelo menos 7 de 13 dificuldades, não estando baseado em rendimentos.
Outro indicador em que a Região registou um mínimo histórico foi na taxa de risco de pobreza e exclusão social, que é uma espécie de taxa de risco de pobreza em sentido lato. Enquanto a nível nacional, esta variável manteve-se inalterada nos 20,1%, na Região baixou de 30,2% em 2022 para 28,1% em 2023, correspondendo a 4 600 pessoas que saíram desta condição.
A redução da desigualdade é outro dos desideratos das sociedades modernas ocidentais. De todos os indicadores do ICOR, os que medem a desigualdade são aqueles em que a RAM apresenta o melhor desempenho face à média nacional. Com efeito, o coeficiente de Gini fixou- se na Região em 32,7% em 2022, abaixo do valor nacional de 33,7%, traduzindo assim menos desigualdade na RAM comparativamente ao País. No conjunto das 7 regiões NUTS II, apenas o Alentejo (30,0%) e o Norte (32,5%) apresentam um coeficiente de Gini inferior ao da RAM.
Mas, mais do que olhar a evolução de um ano para outro, onde às vezes certas variações são um pouco inesperadas e difíceis de explicar, deve-se olhar à tendência de longo prazo. E aí a evolução na Região é evidente:
- a taxa de risco de pobreza entre 2017 e 2019 esteve sempre acima dos 26%, enquanto entre 2020 e 2022 ficou sempre abaixo desse referencial;
- a taxa de privação material e social parte de um valor de 36,5% em 2015 e este ano está em cerca de metade (17,9%);
- a taxa de privação material e social severa em 2015 era 18,6% e em 2023 baixou para cerca de um terço (6,3%);
- a taxa de risco de pobreza e exclusão social rondou entre 2018 e 2020 os 32%-33%, para em dois dos últimos três anos ficar abaixo do 30%.
Desiluda-se quem achar que o problema da pobreza erradica-se de um ano para outro ou em meia dúzia de anos, como parecer achar a nossa desorientada Oposição. O caminho é longo, e esse caminho começou em 1976 com a Autonomia e com os governos do PPD/PSD a infraestruturarem e a desenvolverem políticas sociais na Região que era a mais pobre do País. Não há dados para essa altura, mas qual seria a taxa de risco de pobreza na Madeira: 50%? 60%? 70%?
Os resultados do ICOR de 2023 são com efeito encorajadores, é preciso persistir, acompanhar particularmente os casos mais severos de pobreza, sendo que todos devem contribuir para solucionar este problema.