Num desses voos, voando entre o sonho e o espelho da realidade, ele encontrou os homens reunidos no bar. Lá fora escorria uma noite de inverno, fria e chuvosa, mas no interior o ambiente era acolhedor. Estavam numa rua sombria, numa cidade à beira mar. Talvez fosse a sua cidade natal em tempos antigos.
Ele estava de pé numa extremidade do balcão e na outra estava o seu pai, também de pé. O pai sentia-se feliz por o ter ali consigo. Todos aqueles homens eram amigos do pai e, por isso, todos o conheciam muito bem. Estavam bêbados e ergueram os copos em grande algazarra para mais um brinde proposto pelo pai. Gritaram todos a uma só voz:
– Ei, Ei Capitão!
O pai ergueu o copo e disse:
– Mais uma vez.
E todos gritaram:
– Ei, Ei Capitão!
Os homens gritavam com voz poderosa, com voz destemida e o espaço vibrava, o espaço tremia, e o pai virou-se para ele e disse:
– É assim que se brinda à vida, meu filho!
Um homem foi ter com ele ao balcão. Trazia um sorriso ébrio, um sorriso que tinha naufragado algures entre a crueldade e a lhaneza, e pregou-lhe duas, três palmadas amigáveis no ombro.
– Trago notícias da tua mulher – disse.
Ele ficou subitamente espantado, ficou aturdido e notou o coração a acelerar rumo à melancolia, rumo à tristeza.
– Tu bem sabes que não tenho mulher – disse.
– Tens, sim. Aquela que te deixou.
Então o homem, cujo rosto era impreciso e parecia feito de fumo, contou que a tinha visto no Lido de Veneza, no verão anterior, passeando na praia, mais segura e bela e luxuosa do que nunca. Disse-lhe que ela agora era rica, muito rica. Disse-lhe que tinha enriquecido com base num jogo que consistia em adivinhar o pensamento de homens poderosos. Disse-lhe que vivia num palácio, lá mesmo, em Veneza.
– Que jogo é esse? – Perguntou ele.
As regras são simples, disse-lhe o tipo com cara de fumo. No Lido, por exemplo, ela avistou dois desses homens poderosos estendidos em espreguiçadeiras a conversar, talvez fossem magnatas americanos, ou mafiosos russos, ou príncipes das arábias, não interessa. Seja como for, ela decidiu entregar-se a um deles, ao que dissesse esta frase:
No sul as nuvens são de tempestade.
Parece impossível entrar num jogo destes, parece coisa de filme, mas o facto é que a decisão a carregou de uma sensualidade brutal, estonteante, inigualável por outra mulher em tempo algum. As hipóteses de ganhar eram remotas, pelo que o sabor da vitória seria tremendo.
Ao passar pelos homens, ela abrandou o passo para ouvir o que diziam.
– Como vai a vida nas ilhas? – Perguntou um deles.
O outro respondeu:
– No sul, meu caro, as nuvens são de tempestade.
E ele murmurou, pesaroso:
– As nuvens são de tempestade...
Olhou perplexo para o rosto diabólico à sua frente e imaginou a mulher a afastar-se na praia, elegante e determinada, a caminho de mais uma noite de amor e ouro e sexo com um desconhecido, um tipo qualquer podre de rico, podre de manias, podre de taras e ventanias que sopram de um único quadrante, sempre do quadrante mais improvável.
– Não pode ser Veneza! – Disse ele, desolado.
Agora, estava completamente triste e apetecia-lhe chorar.
– Deves estar enganado – disse ele. – Deve ser outra cidade. Talvez Belgrado. Veneza, não.
Veneza foi a nossa última cidade...
– Veneza, Belgrado, Funchal... O que estás tu para aí a dizer? – Disse o mensageiro, ao mesmo tempo pérfido e conciliador. – Que te importa o nome da cidade? O certo é que ela te abandonou. É por isso que estás aqui.
– Ei, Ei Capitão! – Gritaram os homens no bar e o espaço vibrou, o espaço tremeu.
– Ei, Ei Capitão! – Disse o pai. – É assim que se vence os dias, meu filho!
Por fim, também ele ergueu o copo e gritou:
– Ei, Ei Capitão!