O menino que carregava cruzes para o cemitério era aprendiz de carpinteiro e trabalhava na oficina de um grande mestre da arte de talhar a madeira. Naquele dia, ele ia com duas pequenas cruzes às costas e estava um calor doentio, apesar de ser ainda o princípio da primavera. Eram três da tarde e ele descia o caminho empedrado e pensava assim:
Vou entregar estas cruzes no cemitério e depois o mestre vai pagar o meu trabalho com moedas e eu vou dar as moedas à minha mãe...
O menino estava sempre a pensar nisto, como se os pensamentos fossem também passos na pedra do caminho, todo empapado em suor rumo ao cemitério e já avistava os ciprestes, tão elegantes e altivos, e pensava assim:
As moedas que o mestre me der são as moedas que eu vou dar à minha mãe...
O seu pensamento estava cansado e salgado e o sol da tarde queimava o sal da transpiração à flor da pele e ele pensava assim:
As moedas que o mestre me der...
A mãe vai usá-las para pagar o funeral do marido. O homem morreu sozinho e durante oito dias ninguém soube onde estava e todos ficaram satisfeitos por isso, embora não o admitissem, porque era um homem reles, diziam, era reles e mau e merecia morrer sem dignidade. Aos quinze anos, diziam eles, tinha assassinado um tipo com o dobro da idade, sem se saber nunca por que motivo, e desde então todos lhe tomaram medo e convenceram-se de que era mau e reles e amigo do Diabo.
– Não ligues ao que dizem do teu pai – dizia-lhe a mãe quando o encontrava triste e macambúzio. – Ele é um homem bom.
Depois, reforçava:
– Acredita em mim. Ele é um homem bom.
Foi precisamente no começo daquela primavera que ele desapareceu sem deixar rasto. Os dias passaram longos e secos e a sua morte começou então a desenhar-se no espírito de toda a gente. Estava morto, tinham a certeza, e todos estavam felizes, embora não o mostrassem, porque se sentiam agora seguros e podiam andar pelo sítio sem receio de que ele aparecesse para os perturbar.
– Vai procurar o teu pai – ordenou-lhe a mãe.
Ele pegou no seu desespero e saiu de casa sem saber ao certo por onde ir e muito menos por onde começar essa busca, que era a busca da morte.
São as moedas que vou dar à minha mãe...
Pensava o menino e os ciprestes estavam cada vez mais brilhantes e profundos à sua frente e agora a morte do pai era um facto consumado e ele tinha trabalhado a dobrar na carpintaria para poder pagar o funeral e ainda se sentia estranho e horrorizado por, à primeira vista, ter confundido o corpo do pai com um tronco podre enfiado na água da ribeira, meio quilómetro a sul da última casa do sítio.
Como foi possível tal confusão?!
Depois, quando estava mais perto e o cheiro fétido dominava o ar por inteiro, assustou-se – era, de facto, o pai. Estava morto, em decomposição.
Em casa não havia uma moeda que fosse e, com a morte do homem, a família ficou mais podre do que nunca, mãe e filho sem saber o que fazer no mundo dos vivos.
A mãe chorou longamente e o tempo desse choro ficou parecido com o tempo dos anos e os olhos incharam-lhe tanto e a sua aparência fez-se monstruosa, de modo que metia medo às crianças do sítio e elas fugiam sempre que a viam, mesmo que fosse a uma grande distância. Só o filho não se apercebeu da transfiguração da mãe, porque estava todos os dias com ela e dormia na mesma cama, pois tinha medo que o pai voltasse para o repreender por o ter confundido com um tronco, tinha medo que o pai voltasse para o censurar por o ter encontrado morto, embora a mãe estivesse sempre a dizer-lhe:
– Não tenhas medo do teu pai. Ele era um homem bom.
Depois, reforçava:
– Acredita em mim. Ele era um homem bom.