Uma estreia a dar os seus primeiros passos, com presença diminuta de livreiros, mas já com alguma consistência, tendo conseguido trazer ao público um bom conjunto de sessões didáticas, obras e autores. A feira foi bastante virada ao público juvenil, com plateias de alunos acompanhados pelos professores, presumo que num trabalho que terá tido o seu prolongamento no ambiente de sala de aula. Jovens ousados que não só ouviram os escritores, como quiseram ler os seus próprios escritos para a plateia presente.
A par deste movimento em prol da divulgação de livros, da realização de outros eventos literários e dos esforços em âmbito escolar, continuam a chegar até nós estudos que demonstram o parco entusiasmo nacional pela literatura. É o caso recente de um inquérito promovido pelo Instituto de ciências sociais da Universidade de Lisboa, no qual se revelou que 61% dos portugueses não leram um único livro em 2020.
Que razões levarão a esta realidade? O argumento do preço cai por terra quando se observa que o mesmo não é válido em relação a outros eventos culturais ou de entretenimento que, mesmo custando mais, garantem casas cheias. Será culpa do clima e do apelo festivo que impele a nossa preferência para atividades de diversão em grupo? Ou será uma falta de habituação cultural, enraizada no tempo não muito distante, em que uma enorme fatia da população era analfabeta, e, por tal motivo, não houvesse crescido uma apetência pela leitura no âmbito familiar ou social?
Entre nós, é raro ver alguém a ler na rua, num meio de transporte, num café ou esplanada, como acontece em outros lugares, principalmente no estrangeiro, onde é comum que o percurso de uma viagem em transporte público, ou o tempo de tomar um chá e um scone sejam utilizados para ler um jornal ou um livro. Falta-nos esta tradição.
Por outro lado, as ofertas de cursos de escrita criativa tornaram-se uma constante e constatamos que hoje se publica como nunca antes. As editoras proliferam e todas afirmam receber diariamente centenas de originais para analisar. As ditas clássicas, as mais almejadas por quem sonha aceder ao pódio de escritor, continuam a preferir muito mais os autores estrangeiros do que os nacionais (país estranho este!), enquanto grupos editoriais com conceitos menos rígidos e talvez também menos cuidados aceitam publicar muitas das propostas que lhes chegam. E não ficamos por aqui. Serviços online oferecem ferramentas para que cada um crie e publique o seu próprio livro sem interferência de outrem e há também escritores/editores que, após escrever um livro, criam a sua própria marca editorial para o colocar no mercado.
Eis-nos, pois, perante um curioso paradoxo: somos um povo que não gosta de ler, mas tem uma vontade indómita de escrever.