Era uma vez um partido que, apesar dos vistosos cachecóis e blazers desportivos, recusava a gravata por ser um símbolo de opulência e do domínio patriarcal — ou algo no género. Era um partido que, lá dos meios intelectuais por onde navegam os seus partidários, se arvorou numa superioridade moral que acusa o lucro de ser a fonte de todo o mal (a não ser que seja deles — o deles é sempre modesto, dê por onde der). É um partido que urra e assere o seu feminismo (cis e trans) de forma intransigente (a não ser que falemos de culturas minoritárias em Portugal — outros quinhentos).
Este partido baptiza de gatuno a fascista qualquer gestor que, para proteger a empresa de uma conjuntura menos positiva e fazer descer as despesas correntes, toma a difícil decisão de recorrer ao despedimento. Este partido tem sempre a certeza de que o empresário que despede o faz por maldade pura, não porque prefere sacrificar alguns para salvar os restantes. É que se a empresa falir, dirá o patife, vão todos para o desemprego. Mas os intelectuais deste partido juram-nos sempre que há outras formas de salvar empregos, que eles é que o sabem. Ou será que?...
Naquele seu feminismo radical (com orgulho, como é natural que seja), este partido vê como inegável malfeitoria qualquer despedimento de uma mulher, já que, para os intelectuais do partido (perdoem-me o pleonasmo), não é possível que uma mulher seja despedida como indivíduo. É sempre despedida apenas e só por ser mulher; por ser de uma determinada classe social.
Ora, este partido, carregado de intelectuais que dominam todo e qualquer aspecto da vida alheia, passou por um aperto económico por conta de uma brusca quebra no quinhão do erário público que lhe cabia. Como resolveram esse problema os seus supra-intelectuais que sabem melhor do que ninguém como baixar a despesa corrente sem despedir? Despedindo. Quem escolheram eles para despedir? Maioritariamente mulheres. Mulheres que, por terem sido mães há pouco tempo, não teriam a disponibilidade de outros funcionários para horários menos ortodoxos, ou para atender o telemóvel a qualquer hora. Posso conjecturar (mera suposição) que foram escolhidas (discriminadas) por apresentarem menor potencial de produtividade extra, não porque tiveram o azar num sorteio de papel-no-chapéu. Seria uma coincidência muito feliz para as contas do partido, imagino.
Este episódio cria não só um problema de imagem ao partido em questão, como também levanta problemas futuros. A retórica comum do partido será agora respondida com “bem prega Frei Tomás...”, ou “pode dar-me um exemplo? Eu posso”. É como se, a partir de agora e de cada vez que resolverem apelidar de bandidos os empresários que reduzem despesa corrente daquela forma, se lhes possa pôr um espelho à frente.
É o problema de mandar afiadas pedras retóricas e epítetos desmedidos ao telhado alheio. Podem fazer ricochete.