Não me recordo quando chegou a casa o primeiro telefone — um robusto objeto negro. Da cabeceira, pendia-lhe o auscultador de orelhas bojudas e, da barriga, sobressaí-lhe a rodela, orlada de furos numerados, nos quais enfiávamos as pontas dos dedos para marcar o número desejado. Um fio espiralado unia as duas partes do aparelho e um outro ligava-o à tomada na parede e, enquanto comunicávamos com alguém, era ali que tínhamos de permanecer. Assim, com o telefone, vieram uma pequena mesa e a cadeira a condizer. O conjunto completava-se com um caderno de capa florida cujas páginas, sequenciadas por ordem alfabética, facilitavam a arrumação dos contactos mais frequentes, poupando-nos uma consulta à lista telefónica.
Sendo os telefones mais ou menos raros, quem precisava utilizá-los dirigia-se a uma estação de correio, ou a um local próximo, como a mercearia ou a casa de um vizinho ou familiar. Aos poucos, esses objetos foram ganhando importância, já que nos poupavam deslocações, para além de nos permitirem ouvir a voz de quem estava longe. Contudo, as conversas, por mais saborosas, não podiam alongar-se ou a conta no fim do mês seria assustadora. Terrível para os namorados, digo-vos eu, com conhecimento de causa.
Passou, pois, a ser usual um telefone em cada casa e, por essa altura, havia quem se entretivesse a pregar partidas a conhecidos e a desconhecidos — ainda sorrio ao lembrar algumas que se tornaram recorrentes.
Na rádio, os programas de música pedida proliferaram e o assalto publicitário não se fez esperar. No famoso “Quando o telefone toca” o ouvinte que estabelecia a chamada, só após dizer a frase publicitária do dia, ganhava direito a pedir o trecho musical que desejava ouvir. Lembram-se?
Nas noites de verão do Porto Santo, aguardar a vez nas longas filas que se formavam junto às cabines telefónicas, era parte da rotina. A espera fazia-se sem queixa e, muitas vezes, refrescada pela degustação de uma “lambeca”, adquirida ali mesmo ao lado.
Quando íamos para o continente estudar, os telefones públicos eram o recurso habitual para falarmos com quem ficara na ilha. Eram umas máquinas indecentemente sorvedoras de moedas de escudo em troca de míseros minutos, sempre curtos para a saciar as saudades.
A chegada do telemóvel viria destronar o telefone fixo e a torná-lo inútil. De início, usar o telemóvel em público foi visto como um ato de ostentação e ridicularizado. Contudo, com um filho adolescente, cujo paradeiro me sossegava localizar, e uma mãe com algumas urgências para me contactar, não demorou para que o objeto me conquistasse. Adquiri, logo de uma assentada, um para cada elemento da família — grandes, pesados e com poucas funcionalidades. Depois deles, outros se seguiram; mais elegantes, leves e sofisticados. Memórias, registos de voz e de imagem e tanto mais, tudo cabe neste intruso que se nos tornou indispensável.
Hoje, o pequeno prodígio acompanha-nos. Deixou de ser necessária a mesinha para pousar o telefone, a cadeira para nos sentarmos a seu lado e até o caderno de páginas arrumadas por ordem alfabética para registo dos contactos. Conhecidos, amigos ou família, todos ficam impecavelmente sequenciados no arquivo do aparelho que levamos no bolso, sempre disponível e sem grandes restrições no tempo de utilização.
Os hábitos mudaram e, se antes se usava o telefone para encurtar distância, hoje há quem prefira falar ou trocar mensagens com quem está mesmo ao lado, em vez de se lhe dirigir cara a cara.